O Privilégio do Isolamento Social - Generalizando
565
post-template-default,single,single-post,postid-565,single-format-standard,bridge-core-2.0.9,ajax_fade,page_not_loaded,,qode-title-hidden,qode_grid_1300,qode-theme-ver-19.6,qode-theme-bridge,disabled_footer_top,wpb-js-composer js-comp-ver-6.1,vc_responsive

O Privilégio do Isolamento Social

O Privilégio do Isolamento Social

Na quarta-feira, 08 de abril, a Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro confirmou as primeiras mortes por COVID-19 em favelas do Rio, a saber: a Rocinha (2 óbitos), Vigário Geral (2 óbitos), Maré (1 óbito) e Manguinhos (1 óbito). A proliferação do vírus nesses territórios preocupa por conta da precariedade nas moradias, a falta de saneamento e a aglomeração.

O país tem enfrentado momento difíceis socialmente e economicamente como consequência da pandemia que começou na China e se alastrou pelo mundo. Todas as autoridades de saúde são enfáticas ao afirmarem a necessidade de imposição de medidas que possam diminuir a contaminação pelo vírus. Dentre essas medidas, o isolamento social se destaca como a mais eficiente para conter a contaminação.

O que temos vistos é um grande debate sobre manter ou flexibilizar o isolamento social. Alguns estados e municípios decidiram pelo isolamento para evitar aglomeração, liberando para o funcionamento aqueles serviços que são considerados imprescindíveis. Essa foi a opção do governo do Estado do Rio de Janeiro, por exemplo.

Essas medidas obrigaram uma parte da sociedade a mudar os hábitos, especialmente no tocante ao trabalho, passando a praticar o chamado home office. No entanto, um contingente significativo de pessoas da nossa sociedade não pode fazer o isolamento social. Seja porque trabalham sem nenhum tipo de segurança ou respaldo jurídico, por isso não podem parar. Isso acontece, por exemplo, com muitas empregadas domésticas, diaristas e cuidadores de idosos que não tiveram a contrapartida dos empregadores para ficarem em casa. Ou porque, vivem em casas que não dão condições para que o isolamento seja feito em caso de pessoas com sintomas suspeitos da COVID-19. Casas pequenas, com dois ou três cômodos onde vivem cinco ou mais pessoas, palafitas sem estrutura para a realização do isolamento e abastecimento irregular de água.

Uma situação grave, como a que passamos, revela de maneira nítida as profundas desigualdades sociais que colocam pessoas que vivem em situação de fragilidade social, em risco. O vírus afeta a todos mas afeta de maneira diferente as classes sociais. Enquanto indivíduos de classe média e alta podem cumprir a quarentena, fazer o isolamento social e trabalhar em casa, a maioria da população não pode parar. Estão por aí, indo para o trabalho e se arriscando no transporte público. Os indivíduos de classe média e alta terão acesso a um tratamento mais adequado caso precisem, já os mais pobres aguardarão a transferência de uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento) para um leito de UTI (Unidade de Terapia Intensiva), que pode não acontecer a tempo de salvar a sua vida. Como foi o caso de um idoso no Rio[1] que aguardou 16 dias uma transferência para um Hospital, depois de ter testado positivo para COVID-19, e que morreu no dia em que a transferência ocorreria.

O cenário atual nos convida à reflexão e a sensibilização com a maioria da população que vive em situação de extrema vulnerabilidade. Os moradores de rua, os milhares de pessoas que vivem nas favelas brasileiras em condição sub-humanas, sem acesso a renda básica, tratamento de saúde e condições de higiene. A vida precisa ser preservada. A vida de todos! Uma afirmação que soa tão óbvia, mas que não se concretiza porque a garantia de acesso à saúde e aos cuidados ganham contornos distintos por conta da desigualdade social.

Em um país onde a noção de direitos foi construída como privilégio e, historicamente, a  minoria se negou a defender a sua expansão – como nos lembra Solon Viola[2] – o compromisso com a preservação da vida de todos não se concretizará enquanto medidas imprescindíveis, como o isolamento social, sejam um privilégio de poucos.

 

[1] Disponível em: www.g1.com.br

[2] Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Especialista em Direitos Humanos. De acordo com o autor os Direitos Humanos chegaram tardiamente no Brasil e pousaram aqui como privilégios. Então, historicamente, a elite brasileira se negou a reconhecer direitos como universais.

Marusa Silva

Marusa Silva

Doutora em Sociologia Política, pesquisadora e autora de livros e artigos sobre desigualdade de gênero e integrante do Atelier de estudos de gênero da Universidade Estadual do Norte Fluminense – RJ

Ainda não há comentários, seja o primeiro

Publicar um comentário