Os “equívocos” da justiça no Brasil tem cor e classe - Generalizando
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Os “equívocos” da justiça no Brasil tem cor e classe

Os “equívocos” da justiça no Brasil tem cor e classe

No último dia 13 de Setembro, mais um jovem foi posto em liberdade depois de conseguir provar que a prisão foi um “equívoco”. Dessa vez, o envolvido foi o motorista de aplicativos e montador de móveis Jeferson Pereira da Silva, de 29 anos. O rapaz foi preso preventivamente com base em reconhecimento fotográfico por uma vítima de assalto a mão armada. O mais surreal dessa história é que a foto, que serviu de base para a prisão de Jeferson, era uma fotografia 3×4 do rapaz com 14 anos, fato não explicado pela Polícia Civil, se o jovem nunca teve passagem pela polícia como esse retrato foi parar no álbum de suspeitos de uma delegacia?

Longe de ser uma exceção, casos como o de Jeferson ocorrem todos os dias no Brasil. Em 2020, Lucas Moreira de Souza, de 26 anos, foi solto após ficar quase três anos preso, acusado injustamente de um assalto. Em 2016, Igor Barcellos Ortega foi condenado a 15 anos e 6 meses de prisão em regime fechado acusado de participar de um assalto em Guarulhos/SP. Depois de ficar preso por quase 3 anos, com o esforço da mãe, ficou provado que ele não só era inocente como estava em outra cidade no dia do crime.

O que esses casos têm em comum? Todos os acusados injustamente são homens jovens, negros e periféricos. São os indivíduos que se encaixam no perfil que é suscetível  aos “equívocos” da justiça no Brasil. Segundo o dicionário online da língua portuguesa, equívoco significa “mal-entendido ou consequência de se equivocar”. Na análise em questão, o mal-entendido é baseado na construção de um estereótipo de criminoso, ou seja, uma imagem e/ou interpretação preconcebida dos considerados “socialmente perigosos”. Em outros termos, raça e classe fundamentam esse modelos preconcebidos.

Há muito os negros no Brasil carregam consigo o estigma de perigosos, viciados, maldosos e vadios, marcas profundas do racismo que está nas entranhas das nossas instituições sociais. Como ensina Silvio Almeida (2018, p. 25):

…racismo pode ser compreendido como uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento, e que se manisfesta por meio de práticas conscientes ou inconscientes que culminam em desvantagens ou privilégios para indivíduos, a depender do grupo racial ao qual pertença.

 

Ora, todos nós sabemos, que as chances de “equívocos” como os descritos neste texto acontecerem é maior com jovens negros e pobres do que com brancos de classe média. É a constatação da existência do racismo e se, não reconhecemos isso e não estranhamos, é  sinal de que estamos falhando enquanto sociedade.

A justiça atua com base em um padrão racista e classista e é só partindo desse ponto que conseguimos compreender os absurdos e contradições presentes na prática da justiça penal. Como explicar o distanciamento entre o discurso dos diplomas legais, que se baseiam na valorização dos direitos humanos, e a prática que contradiz, cotidianamente, esse discurso? Por que essa contradição é reproduzida?

Voltando a Almeida (2018), o direito como relação social aponta para a dimensão estrutural do racismo, que não pode ser apartado do direito. Atos de discriminação racial são na maioria das vezes considerados ilegais e passíveis de sanção. No entanto, o direito se mostra não só incapaz de extinguir o racismo, como também é por meio dele se ser formam os sujeitos racializados, pois:

A Lei que criminaliza os corpos pretos e empobrecidos condiciona um enquadramento marcado pela construção dos comportamentos suspeitos. E se a Lei é o Estado, o suspeito “padrão” é também um suspeito para o Estado. (PACHECO, 2016, p. 34)

 

Desse modo, a existência de um “suspeito padrão” abre um perigoso espaço para as mais variadas violações. Quais as consequências de práticas racistas institucionalizadas na socialização de corpos pretos e pobres? Quais os efeitos de uma prisão e uma condenação injusta para um jovem negro e pobre? Quais são as punições para aqueles que, em nome do Estado, cometem essas injustiças?

No mesmo país onde a fraude documental cometida por um servidor  do Tribunal de Contas da União é punida com um mero afastamento do trabalho, jovens passam dias, meses e até anos dentro dos presídios brasileiros acusados injustamente, sem que ninguém seja responsabilizado diretamente pelo fato. É difícil engolir os argumentos dos que bravejam a inexistência do racismo em terras brasileiras.

 

 

Referências Bibliográficas:

 

– ALMEIDA, Silvio. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Letramento, 2018.

– PACHECO, Ronilson. Ocupar, resistir, subverter: igreja e teologia em tempos de violência, racismo e opressão. Rio de Janeiro: Novos Diálogos, 2016.

Marusa Silva

Marusa Silva

Doutora em Sociologia Política, pesquisadora e autora de livros e artigos sobre desigualdade de gênero e integrante do Atelier de estudos de gênero da Universidade Estadual do Norte Fluminense – RJ

2 Comentários
  • Avatar
    Graciete
    Publicado em 15:22h, 16 setembro Responder

    Marusa, infelizmente ainda presenciamos casos como esse. Temos sim um racismo muito claro e instaurado a décadas. O que fazemos é repetir. Apesar de tantas ações para o combate, não viramos essa chave.

    • Marusa Silva
      Marusa Silva
      Publicado em 17:10h, 16 setembro Responder

      Graciete, quando observamos com cuidado vemos como o racismo opera em nossa sociedade. A conscientização, a denúncia e o repúdio a essas atitudes é o caminho para o início da virada de chave.

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