Quem são as novas bruxas? - Generalizando
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Quem são as novas bruxas?

Quem são as novas bruxas?

Na Europa dos séculos XVI e XVII se estabeleceu uma verdadeira caçada às chamadas bruxas. Mas, quem eram elas? De que eram acusadas? Quais seriam os seus crimes? Onde e como eram punidas?

Durante muito tempo, sob a influência da nouvelle histoire (nova história), estudiosos abriram os arquivos empoeirados das aldeias europeias para reexaminar esses eventos de maneira mais detalhada.

As mulheres eram os principais alvos dessa caçada. Eram curandeiras, parteiras, donas de um “comportamento sexual exacerbado” incompatível com as regras sociais. A sexualidade dessas mulheres era descrita como diabólica. Esses eram alguns dos motivos que levaram milhares de mulheres à fogueira na Europa.

Segundo, Silvia Federici, na obra intitulada “Mulheres e a Caça às Bruxas”[1], as sociedades pré-capitalistas atribuíam a alguns indivíduos “poderes” especiais. As mulheres, por exemplo, devido a sua particular relação com a reprodução eram reconhecidas como detentoras dos saberes da natureza. Supostamente, isso dava a algumas delas condição de proporcionar a vida e a morte e descobrir as propriedades oculta das coisas.

No entanto, esse tipo de pensamento foi sendo combatido pelo processo de cristianização europeu e mais tarde pela racionalização da sociedade. É nesse, ponto, de acordo com Federici, que precisamos compreender a caça às bruxas. O processo de “racionalização” do mundo natural, que era a precondição de uma disciplina de trabalho mais organizada e da revolução científica, passava pela destruição das bruxas.

Desse modo, houve um reforço da imagem feminina como “perigosa” e “maliciosa” como maneira de controlar as mulheres. Em algumas sociedades, isso ainda persiste e em outras, ganharam novas roupagens.

O dia 10 de agosto foi declarado como o dia mundial contra a Caça às Bruxas. Essa data foi estabelecida pela Sociedade Missionária Católica, que faz parte das Pontifícias Obras Missionárias sob a jurisdição do Papa. Como é sabido, a Igreja Católica foi uma das instituições que promoveram a Caça às Bruxas, entre os séculos XV e XVIII. E agora, em um senso de obrigação histórica condena esses atos.

Nesse ponto, você leitora e leitor, devem estar se perguntando se é mesmo

necessário combater algo que ficou nas páginas dos livros de história como um momento muito longe no passado. Pois é, isso não ficou no passado.

No século XXI ainda existem mulheres sendo perseguidas por bruxarias em alguns países. Em julho do corrente ano Akua Denteh foi espancada até a morte no distrito de Gonja Oriental, em Gana, após ser acusada de ser uma bruxa. O assassinato da mulher de 90 anos expôs mais uma vez os preconceitos arraigados contra mulheres acusadas de praticar bruxaria no país, muitas das quais são idosas.[2]

Esse triste fato chamou a atenção de organizações de Direitos Humanos e do movimento feminista, que acusam a justiça de morosidade na apuração do caso. Entretanto, o caso de Akua está longe de ser um evento isolado. Em muitos países mulheres continuam sendo acusadas de bruxaria. Elas são perseguidas e mortas em caçadas organizadas especialmente na África, mas também no Sudeste Asiático e na América Latina.

De acordo com o historiador Wolfgang Behringer[3], ao longo de três séculos (XV-XVIII) presume-se que entre 50 a 60 mil pessoas foram mortas acusadas de crime de feitiçaria. E só no século XX, mais pessoas acusadas de bruxaria foram brutalmente assassinadas do que entre os séculos XV e XVIII. Entre 1960 e 2000, cerca de 40 mil pessoas acusadas de prática de bruxaria foram assassinadas somente na Tanzânia. Embora não existam leis contra a feitiçaria na legislação do país, os tribunais das vilas frequentemente decidem que certos indivíduos devem ser mortos.

O que se pode concluir a partir desses dados e análises é que a caça às bruxas não é um problema histórico e sim uma questão candente no presente. Mulheres, na maioria dos casos continuam sendo o principal alvo, além de crianças com algum tipo de deficiência e até as pessoas com albinismo, como é o caso da Tanzânia.

Como pontua Federici, a Caça às Bruxas se apresenta em diversas formas. Além da ocorrência nas sociedades tradicionais, o ocidente capitalista continua empregando força no ataque às mulheres. As vítimas em potencial, dessa nova roupagem são as mulheres negras,  periféricas e as pertencentes aos povos originários.

A materialização dessa “caçada” está no empobrecimento contínuo dessas mulheres e na violação dos seus corpos como o principal alvo da violência sexual e do feminicídio, os números demonstram. Por isso, a necessidade, como nos ensina Federici, de compreendermos a lógica da caça às bruxas e as muitas formas pelas quais ela se perpetua em nossa época.

 

 

[1] FEDERICI, Silvia. Mulheres e a Caça às Bruxas: da idade média aos dias atuais. 1ͣ ed. São Paulo: Boitempo, 2019.

[2] O portal: https://www.dw.com/pt-br divulgou extensa reportagem sobre o caso.

[3] Professor especializado no início da Era Moderna na Universidade do Sarre, na Alemanha,

Marusa Silva

Marusa Silva

Doutora em Sociologia Política, pesquisadora e autora de livros e artigos sobre desigualdade de gênero e integrante do Atelier de estudos de gênero da Universidade Estadual do Norte Fluminense – RJ

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