E quem cuida do cuidador? Uma reflexão sobre o trabalho de cuidados em tempo de pandemia.
O chamado trabalho de cuidado, que engloba o trabalho de babás e de acompanhantes de idosos ou de pessoas acamadas, vem crescendo de maneira significativa em todo o mundo. Aquele trabalho de cuidar de crianças pequenas, em algumas realidades, como no Brasil, já faz parte de sua marca social. Por outro lado, os profissionais que se dedicam a cuidar de pessoas idosas têm sido cada vez mais solicitados, uma vez que, a população mundial vem envelhecendo.
Dados do extinto Ministério do Trabalho, demonstrou que em 2017, havia 34.051 cuidadores de idosos no Brasil, um aumento de 690% se comparado com o ano de 2004, onde eles somavam 4.313. Apesar de ser um trabalho essencial para sociedades e economias pois, é preciso que alguém invista tempo nesse tipo tarefa caso contrário, comunidades e economias inteiras estariam estagnadas, ele é revestido de invisibilidade e desvalorização social. A esmagadora parte do contingente desses trabalhadores é formada por mulheres, já que a função de cuidar seja, das crianças, dos doentes, dos idosos ou da casa, foi “instituída e naturalizada” como feminina há tempos.
Entre os 1.153 profissionais cadastrados pela Associação Brasileira dos Empregadores de Cuidadores de Idosos (Abeci), 85% são mulheres e 15% são homens. Segundo a Associação dos Cuidadores de Idosos da Região Metropolitana de São Paulo (Acirmesp), nos cursos de capacitação acompanhados pela instituição, salas de aula possuem, em média, 27 mulheres em um total de 30 alunos. Além disso, é possível perceber o recorte de classe e de raça nessa categoria de trabalho.
Esse tipo de trabalho vem ganhando muito espaço porque como já foi mencionado, a população de pessoas idosas vem crescendo em todo o mundo. Dados sobre a população idosa no Brasil, revelou que em dezembro de 2019 haviam 34 milhões de pessoas com 60 anos ou mais, ou seja, 16,2% da população, como é possível verificar no gráfico abaixo:
Fonte: disponível em: IBGE/PNAD Contínua
Segundo o IBGE, em 2060 o Brasil deve contar com um percentual de brasileiros com 65 anos que deverá atingir 1/4 da população. Segundo o DataSenado 41% da população brasileira conhece ao menos 1 pessoa que precisa de cuidados de parentes ou de um profissional.
É esse cenário que ajuda a compreender o aumento pela procura do trabalho de cuidado e que apresenta a preocupante realidade desses profissionais em tempo de pandemia como os que estamos vivendo. Muitos desses profissionais, não conseguem seguir a orientação das autoridades de saúde sobre o isolamento social, por serem considerados imprescindíveis por muitas famílias empregadoras. Muitas profissionais continuam trabalhando, encarando o transporte público, algumas sendo provocadas à dormirem no trabalho e outras apesar de continuar trabalhando não possuem acesso aos equipamentos de segurança.
A profissão de cuidador de idosos paira no limbo legal por não possuir regulamentação própria às vezes respondendo as normas da PEC das domésticas e às vezes as normas gerais de trabalho. Há ainda casos onde elas são cooperadas ou microempreendedoras individuais (MEIs). O fato é que a insegurança é uma constante nesse tipo de relação de trabalho. Rotinas longas de trabalho e em alguns casos, uma confusão nas tarefas que devem ser desempenhadas por essas trabalhadoras, uma mistura de cuidados e trabalho doméstico.
O sindicado dos trabalhadores domésticos de Nova Iguaçu/RJ recebeu denúncias de cuidadoras sobre a situação de fragilidade a qual elas estão submetidas. Empregadores que tentam obrigar as cuidadoras a permanecerem no trabalho durante a pandemia da COVID-19. O sindicato dos trabalhadores domésticos de São Paulo também anunciou o recebimento de denúncias sobre as condições as quais estão submetidas, nesse momento de maior cuidado com a saúde, as cuidadoras de idosos. De acordo com Zenilda Ruiz, assessora jurídica do sindicato, uma cuidadora afirmou estar sem ir à casa a 38 dias mesmo tendo um filho pequeno.[1]
Os relatos acima ilustram a situação em que esses profissionais estão submetidos. Toda a carga de desvalorização e de desregulamentação presente nessa profissão agravam a condição frágil desses trabalhadores que, em muitos casos, não podem optar em ficar em casa, cuidando do seu bem-estar e do bem-estar de suas famílias. Dessa forma, aquele que cuida dos outros nem sempre possui o direito de cuidar de si.
[1] Reportagem disponível em: www.cartacapital.com.br
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