A Escrita Feminina Como Um Ato Revolucionário
No próximo dia 25 de julho comemora-se o dia do escritor. Escrever é um ato corajoso e revolucionário, especialmente para as mulheres. Isso porque, historicamente, a escrita era sobretudo um exercício de poder e, em particular, de poder masculino.
Como é sabido, durante muito tempo as mulheres foram impedidas de ter acesso a educação formal, esperava-se delas, uma vida dedicada à família e as minúcias do mundo doméstico. Elas eram consideradas “naturalmente” incapazes para o desenvolvimento de atividades intelectualizadas. Ora, o que teriam a dizer se, como afirmavam alguns filósofos, a natureza as fez para compreender apenas o mundo doméstico e a maternidade.
Nesse contexto, os grandes escritos foram assinados por homens. Eles que detiveram em suas mãos, durante muito tempo, o monopólio do poder, do saber e da legitimidade. Para uma mulher se aventurar e sobreviver da escrita era necessário muita coragem para enfrentar todos os desafios, preconceitos e descréditos que viriam com a assinatura do seu verdadeiro nome em um artigo, panfleto ou livro.
Por isso, muitas brilhantes mulheres assinavam nomes masculinos em suas obras ou aceitavam que outros homens; maridos, companheiros ou cúmplices, tomassem como suas as obras, para que elas pudessem ser publicadas. Esse foi o caso, por exemplo, de Amandine Dupin que usou o pseudônimo George Sand. Dupin foi uma escritora e romancista francesa do início do século XIX que se vestia e se comportava como homem para conseguir viver dos direitos literários de suas obras. Além disso, contribuiu significativamente para o movimento feminista com seus escritos repletos de crítica a moralidade da sociedade francesa daquele momento.
Aqui no Brasil até uma primeira-dama precisou lançar mão de um pseudônimo para que pudesse publicar artigos em jornais. Esse foi o caso de Nair de Tefé, esposa do presidente Marechal Hermes da Fonseca, era pintora, pianista e primeira caricaturista mulher do mundo. Escrevia para jornais e assinava como Rian.
A utilização de um nome masculino para assinar as obras era a estratégia utilizada por muitas mulheres para conseguir publicar seus trabalhos. Outras, como foi o caso de María Lejarraga, escreveu em silêncio obras magníficas que eram assinadas por seu marido, Gregório Martinez Sierra, que colheu todos os louros do trabalho esplêndido de uma brilhante escritora da idade de prata da cultura espanhola. Lejarraga teve uma vida marcada por sofrimento e abusos, o reconhecimento veio tardiamente.
Outras, ainda desafiaram a ordem social vigente e publicaram seus artigos, fundaram jornais, escreveram panfletos, sempre em tom de denúncia à sociedade que as impediam de se desenvolverem intelectualmente. Esse foi o caso de Mary Astell, nascida em uma família anglicana de classe média, recebeu pouca instrução formal, mas foi incentivada por um tio a estudar filosofia e começou a escrever e publicar textos onde defendia o acesso à educação para as mulheres. Astell fundou uma escola de caridade para meninas em Chelsea no ano de 1709.
Voltando novamente para o contexto doméstico é impossível falar em escritores e não pensar na Academia Brasileira de Letras, onde estão imortalizados os grandes nomes da literatura brasileira. Aqui, como em todo o resto do mundo, nem sempre foi permitido à mulher pensar e muito menos escrever sobre o que pensava. Isso, justifica o período de ausência de nomes femininos na mais importante instituição literária do país. Durante as primeiras oito décadas de sua existência, nenhuma mulher fez parte da instituição. Até o ano de 1951 o estatuto da ABL previa que apenas brasileiros poderiam concorrer a uma de suas cadeiras.
No entanto, em 1930 houve a primeira candidatura de uma mulher. Foi a de Amélia Beviláqua que não foi aceita sob a justificativa de que o vocábulo “brasileiros” se restringia apenas a indivíduos do sexo masculino. Isso deixava clara a posição da ABL que relacionava a qualidade literária ao gênero.
No início dos anos de 1950, o regimento foi alterado e deixava explícito a condição de ser homem para se candidatar a uma das cadeiras da Academia. Uma decisão claramente machista. Esse cenário perdurou até 1977 quando a ABL discutiu novamente seus termos para dar parecer favorável à Rachel de Queiróz. Este foi um importante passo para a igualdade de gênero na literatura brasileira e a partir dos anos de 1970 outras mulheres ocuparam esse espaço. Em 1980, Dinah Silveira de Queiroz, que tinha tido sua candidatura indeferida anteriormente. No ano de 1985 a terceira mulher a fazer parte da ABL foi a escritora Lygia Fagundes Telles, seguida de Nélida Piñon, Zélia Gattai, Ana Maria Machado, Cleonice Berardinelli e Rosiska Darcy em 2013.
Este breve histórico nos mostra como a escrita, a reflexão e o espaço do saber foi, durante muito tempo, negado às mulheres sob justificativas essencialistas que as colocavam como incapazes de produzir conhecimento. Mas, também nos revela a força, a coragem e a determinação de talentosas mulheres, que ousaram desafiar as normas sociais mesmo que para isso fosse necessário usar subterfúgios, como pseudônimos para que pudessem publicar. Elas fizeram do ato de escrever uma forma de luta e de resistência.
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