A face feminina da crise da COVID -19 - Generalizando
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A face feminina da crise da COVID -19

A Face feminina da crise da COVID -19

A história da humanidade é marcada por ciclos de crises. Estas afetam a maneira como as sociedades se organizam, o funcionamento do mundo do trabalho, os valores sociais e os sistemas econômicos.

Estas crises, apesar de possuírem estímulos diferentes, apresentam como elemento comum o fato das mulheres serem as primeiras afetadas por suas consequências. A historiadora italiana Silvia Federici afirma que as crises do capitalismo afetam, sobretudo as mulheres. Suas pesquisas se dão no contexto das convulsões demográficas e econômicas que assolaram a Europa nos séculos XVI e XVII e das políticas da época mercantilista: o cercamento das terras, a nova divisão sexual do trabalho que confinou as mulheres à esfera reprodutiva, o tráfico de escravos, a conquista colonial. A pesquisadora mostra, em suas análises, que as mulheres sofreram com a alienação de seus corpos e dos meios de sobrevivência.

Como pontua Silvia Federicci, as mulheres são as primeiras a perderem seus empregos e terem suas condições de trabalho precarizadas. Esta afirmação parece bastante atual no cenário da Pandemia do novo Coronavírus, uma vez que vemos aumentar a olhos nus a violência contra a mulher. Entretanto, há outro dado desolador, o desemprego. Este vem afetando sobretudo mulheres e as apresentando como sujeitos vulneráveis neste contexto de crise.

Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), realizada pelo IBGE, o desemprego atinge 14,5% das mulheres, enquanto 10,2% dos homens estão sem ocupação. A ONU Mulheres, divulgou no final de março/2020 o relatório “Mulheres no centro da luta contra a crise Covid-19”, revelando que dentre a população feminina mundial, as trabalhadoras do setor de saúde, doméstico e informal são as mais afetadas pelos efeitos da pandemia do novo coronavírus.

Segundo o IBGE, 38 milhões de pessoas no Brasil estão abaixo da linha pobreza; dessas, pelo menos 27,2 milhões são mulheres; elas também são a maioria entre a população idosa (56%) que sobrevive sozinha e com pequenos recursos. De acordo com dados do IPEA, 31,8 milhões de famílias do país (45,3% do total) são chefiadas por mulheres e, em tempos de pandemia, ainda têm que cuidar dos filhos e trabalham arduamente nos seus lares.

O que pode ajudar a explicar a situação vulnerável das mulheres? As análises de Federici dão conta de um contexto longínquo, no entanto, demonstram as permanências que a modernidade não superou, como por exemplo, o trabalho da mulher visto como menor e a mão de obra feminina desvalorizada. Historicamente, os empregos femininos correm risco em contexto de crise. O trabalho doméstico, que impede o desenvolvimento de carreiras, é invisível aos olhos do sistema econômico. As mulheres são as mais pobres e as mais vulneráveis no mundo, situação que se agrava com os efeitos da pandemia.

A vida da mulher corre risco, seu emprego corre risco e sua saúde corre risco, como alerta a ONU Mulheres. Para salvaguardar vidas e empregos necessita-se do compromisso dos Estados com a agenda de igualdade de gênero, desenvolvendo estratégias de mitigação para proteger os mais vulneráveis, dentre estes as mulheres, pois historicamente as crises possuem faces femininas.

Marusa Silva

Marusa Silva

Doutora em Sociologia Política, pesquisadora e autora de livros e artigos sobre desigualdade de gênero e integrante do Atelier de estudos de gênero da Universidade Estadual do Norte Fluminense – RJ

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