A Globalização do Afeto: quem são as mulheres que cuidam dos outros ao redor do mundo? - Generalizando
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A Globalização do Afeto: quem são as mulheres que cuidam dos outros ao redor do mundo?

A Globalização do Afeto: quem são as mulheres que cuidam dos outros ao redor do mundo?

Por muito tempo o trabalho de cuidar de outras pessoas, sejam elas crianças, idosos ou doentes, foi realizado de maneira gratuita por mulheres. Seu espaço de atuação era o lar, onde esse tipo de função ficava invisibilizada. Com uma intensa carga afetiva, o trabalho de cuidado ultrapassou as barreiras do espaço privado e se inseriu na lógica do trabalho remunerado e um pouco mais visível.

A virada de chave se deu, dentre outros fatores,  pela  inserção em massa de mulheres no mercado de trabalho, a globalização da economia e o envelhecimento da população, corroborando a mercantilização e/ou profissionalização do cuidado. No entanto, deve-se analisar esse cenário com criticidade. A mercantilização do trabalho de cuidado  não trouxe, exatamente, a sua  valorização.

A globalização não tem os mesmos impactos econômicos, políticos e sociais sobre homens e mulheres. Se por um lado vimos um aumento significativo dos empregos femininos, sobretudo pela necessidade do trabalho de cuidado, por outro se verifica que são postos precários e vulneráveis. A abertura desse mercado e a expansão de políticas de desregulamentação e flexibilização do trabalho criaram condições desfavoráveis para as mulheres ao redor do mundo.

Nesse contexto, o trabalho de cuidar dos outros torna-se exemplar. As mulheres mais pobres, vindas da periferia do capitalismo (América Latina, África e Ásia) se configuram em mão de obra barata para os países do norte global. Como esse tipo de trabalho tem uma especificidade que não se pode negar, ele não é deslocalizado como a produção industrial das multinacionais, requer migração de trabalhadoras (babás e cuidadoras) dos países mais pobres. Apesar de recentemente verificarmos a migração Sul X Sul (como no caso de babás Filipinas para o Brasil) é a migração Sul X Norte que tem chamado atenção das estudiosas.

Hirata[1] aponta para o aumento da migração feminina a partir dos anos 2000 e a consolidação de uma lógica de divisão internacional do trabalho. A título de exemplo, a autora aponta para o caso de Paris onde 80% das cuidadoras de idosos e babás são mulheres vindas de países periféricos. Em alguns casos, migrantes da África e da Ásia chegam a Europa com diplomas de medicina e enfermagem, que não são reconhecidos pelos países europeus. Assim, essa mão de obra qualificada é empregada como mão de obra desqualificada (cuidadoras, babás e auxiliares) impactando nos salários e na proteção/regulamentação.

Tronto, cientista política norte-americana que se dedica aos estudos do trabalho de cuidado na França aponta para a necessidade de uma análise interseccional sobre essa temática, pois: “não é apenas o gênero, mas também o pertencimento de classe e de raça que, na nossa cultura, permite identificar quem pratica o cuidado e de que maneira”.[2]

O trabalho de cuidado é exemplar de desigualdades imbricadas (gênero, classe e raça), uma vez que é desempenhado por mulheres negras e pobres advindas de movimentos migratórios tanto internos como externos. O Brasil é um exemplo de processos de migração interna no que tange o trabalho doméstico e de cuidado. Um olhar atento para o perfil dessas profissionais, sobretudo nos grandes centros, deixa claro que parte significativa dessas mulheres vieram do norte e do nordeste brasileiro em direção ao sul e ao sudeste em busca de oportunidades. Muitas encontraram no trabalho doméstico o meio para a sobrevivência.

Com tantas singularidades e ainda envolto no discurso do amor e do afeto, o trabalho de cuidado, apropriado pelo capital, mantém e reforça as desigualdades vivenciadas pelas mulheres, sobretudo as mais pobres. Ao mesmo tempo  se anula o debate sobre a agência do Estado no âmbito desse trabalho que é fundamental. Apesar desse tipo de emprego ter se tornado abundante e visível, por efeito da globalização, aquelas que se ocupam dele continuam invisibilizadas e suscetíveis a inúmeras violações.

 

[1] HIRATA, Helena. Trabalho de Cuidado: comparando Brasil, França e Japão. SUR 24 – v.13 n.24 • 53 – 64 | 2016

[2] TRONTO, Joan.  Un monde vulnérable: pour une politique du care – Coll. Textes à l’Appui (Paris: La Découverte, [1993] 2009): 156.

Marusa Silva

Marusa Silva

Doutora em Sociologia Política, pesquisadora e autora de livros e artigos sobre desigualdade de gênero e integrante do Atelier de estudos de gênero da Universidade Estadual do Norte Fluminense – RJ

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