Cultura do cancelamento: qual é a sua opinião? - Generalizando
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Cultura do cancelamento: qual é a sua opinião?

Cultura do cancelamento: qual é a sua opinião?

O advento das redes sociais possibilitou a consolidação de um novo espaço de debate/opiniões sobre os mais diversos temas, de certa maneira, uma tentativa de democratização do acesso às informações e da participação nas mais variadas discussões. Temas, antes tratados em círculos específicos (universitário, político, etc.), foram trazidos de maneira palatável e/ou superficial para o ambiente virtual. Ao mesmo tempo em que se abriu espaço de fala para grupos que historicamente foram silenciados.

Por outro lado, é também nesse ambiente virtual, que temas são polarizados, as opiniões e/ou posicionamentos contrários passam a ser atacados impossibilitando qualquer tipo de debate frutífero. E, é nesse mesmo espaço virtual, que uma prática se tornou muito conhecida, o chamado cancelamento. Mas, o que significa “cancelar” alguém? Significa que uma pessoa, famosa ou não ou até mesmo uma empresa, deixa de existir para um indivíduo ou um grupo. Uma forma de punição para um posicionamento considerado errado, inaceitável, desonesto, etc. Um cancelamento pode ser temporário ou pode durar muito tempo, isso vai depender sempre da performance do “cancelado” em  demonstrar que se arrependeu e que mudou.

São vários os motivos que podem levar ao cancelamento de alguém. E, também são variados os julgamentos sobre o que merece ser cancelado ou não. Eu posso ser cancelada por esse texto, mas tudo bem. Apesar de ser uma prática cada vez mais corrente no mundo virtual, sendo até batizada de “cultura do cancelamento”[1], ela pode ter raízes bem longínquas sendo uma espécie de característica das sociedades ao longo do tempo.

No decorrer da história encontramos várias “pistas” sobre um certo prazer que indivíduos têm em linchar pessoas. No livro chamado “O outono da idade média”, o historiador Johan Huizinga trata do auto de fé, como eram chamados na Espanha os rituais de penitência pública de hereges. Esse era um tipo de punição “teatralizada”, onde pessoas das mais variadas idades iam xingar, cuspir e por fim assistir os “pecadores” serem queimados vivos.[2]

Historicamente as execuções, sejam elas na fogueira, na guilhotina ou na forca, eram realizadas em espaço público com a participação e a interação dos indivíduos. Essas “pistas” podem nos mostrar como há em tudo isso um certo prazer das pessoas em julgar, executar como se houvesse aí uma ideia de pureza daqueles que julgam e executam.

Nos últimos dias, esse debate voltou à tona com força total por conta de situações ocorridas no BBB 21 envolvendo alguns de seus participantes. A rapper Karol Conká vem sendo criticada e cancelada nas redes sociais por sua postura em relação a outro participante (Lucas). Não é foco do texto “passar pano” para as atitudes da rapper Karol Conká, seus atos foram bizarros e por isso cabe a crítica e a exigência de retratação.

No entanto, a reflexão proposta aqui é sobre a pressa que as pessoas têm em julgar. É sobre um certo prazer em punir e cancelar sem que haja espaço para o diálogo e crítica honesta.

Será que a cultura do cancelamento é uma forma civilizadora de criticar o preconceito? Ou será que aqueles que fazem uso dessa prática são motivados, apenas, pelo prazer de julgar? Ficam aqui as perguntas na esperança de que seja possível o debate em tempos onde ele é comumente substituído pelo ataque.

[1] “Cultura do cancelamento” foi eleito como o termo do ano em 2019 pelo Dicionário Macquarie, que todos os anos seleciona as palavras e expressões que mais caracterizam o comportamento de um ser humano. Disponível em:https://canaltech.com.br/redes-sociais/a-cultura-de-cancelamento-foi-eleita-como-termo-do-ano-em-2019-156809/

 

[2] HUINZINGA, Johan. O outono da Idade Média. São Paulo: Cosac & Naify, 2010.

Marusa Silva

Marusa Silva

Doutora em Sociologia Política, pesquisadora e autora de livros e artigos sobre desigualdade de gênero e integrante do Atelier de estudos de gênero da Universidade Estadual do Norte Fluminense – RJ

1 Comentário
  • Avatar
    Thais Almeida
    Publicado em 17:18h, 04 fevereiro Responder

    Excelente reflexão!

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