Luta e Resistência das Mulheres Indígenas
No próximo dia 19 de abril comemora-se o Dia do Índio. Com a maior parte das escolas fechadas e os alunos estudando de forma remota por conta da pandemia, provavelmente não veremos as criancinhas pintadas e usando cocar. Há quanto tempo lidamos assim, de maneira superficial, com essa data? Eu me lembro da minha época de escola, e cá entre nós já faz um bom tempo, mas era assim que boa parte das professoras traziam a temática da cultura dos povos originários para a sala de aula.
A cultura, os saberes indígenas e as suas contribuições passaram por um profundo processo de apagamento no imaginário social. A identidade do povo brasileiro foi construída de maneira distanciada da identidade dos povos indígenas. As consequências desse processo histórico são, entre outras, a marginalização e a vulnerabilidade em que vivem milhares de indígenas no Brasil.
Sabemos muito pouco sobre esses povos, pois nos ensinaram e nos ensinam muito pouco sobre eles também. Ainda nos deparamos, na escola, com uma história estereotipada, que apresenta o indígena como exóticos e muito pouco evidencia o seu protagonismo, sua luta e sua resistência.
Quanto sabemos sobre as mulheres indígenas? Suas demandas? Suas experiências e vivências? Quanto das pautas que reivindicam os direitos das mulheres refletem, verdadeiramente, a situação vivenciada pelas mulheres dos povos originários?
A modernidade ocidental elaborou o discurso do sujeito universal de direitos, no entanto, já faz algum tempo que conseguimos verificar que essa pretensa universalidade possui cor, classe, gênero e territorialidade. Assim, não abarca todas as pessoas e nem todos os povos do mundo.
Apesar do processo histórico de tentativas de apagamento e invisibilidade, a luta e a resistência desses sujeitos se fizeram e ainda se fazem presentes. Veja o caso das mulheres indígenas que engendraram sua luta feminista a partir das décadas de 70 e 80. Uma luta que vai ganhando espaço à medida que essas mulheres ocupam lugares de fala dentro dos movimentos indígenas, onde prevalecia a liderança masculina. Em meio às demandas dos seus povos, essas mulheres chamavam a atenção para as questões vividas por elas e para o significado de ser uma mulher indígena.
As primeiras organizações exclusivas de mulheres indígenas no Brasil datam da década de 1980, a saber: Associação de Mulheres Indígenas do Alto Rio Negro (Amarn) e a Associação de Mulheres Indígenas do Distrito de Taracuá, Rio Uaupés e Tiguié (Amitrut). As demais começaram a surgir a partir dos anos de 1990. No ano 2000, a Assembléia Ordinária da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), em Santarém, no Pará, reivindicou a criação de um espaço específico para as demandas das mulheres indígenas.
Atualmente o feminismo indígena se mostra mais articulado do que nas décadas anteriores. As mulheres lideram movimentos onde reivindicam uma agenda feminista acoplada as demandas consideradas cruciais para a existência do seu povo travando enfrentamentos dentro e fora da aldeia.
Essas mulheres fazem parte de uma minoria social e política, que vem ao longo das últimas décadas enfrentando violações dos seus direitos e inúmeras violências como estupros e exploração sexual. Elas sofrem com a violência doméstica dentro das suas aldeias, espaços onde o Estado não chega efetivamente para garantir a sua segurança. Como sinaliza Mayara Melo “as indígenas reconhecem e denunciam inúmeras práticas discriminatórias que sofrem: casamentos forçados, violência doméstica, estupros, limitações de acesso à terra, limitações para organização e participação política e outras formas de dificuldade enfrentadas em consequência do patriarcalismo presente em suas comunidades. Embora esse seja um campo delicado de tratar, devido ao enfoque específico e multicultural que precisa ser dado, é necessário ouvir o que as organizações de mulheres indígenas estão reivindicando”.[1]
Nesse cenário algumas iniciativas visam somar forças a causa das mulheres indígenas, buscando dar visibilidade para as suas demandas, como é o caso do projeto da ONU Mulheres em parceria com a embaixada norueguesa batizado de “Voz das Mulheres Indígenas”. O objetivo é fomentar o empoderamento, a mobilização social e a participação política de mulheres indígenas de mais de uma centena de etnias no Brasil. O projeto fortalece a atuação de mulheres indígenas em espaços de decisão dentro e fora de suas comunidades.[2]
São essas mulheres também que, em meio ao luto e a dor, se organizam para lutar contra os efeitos da pandemia em suas comunidades, arrecadando e destinando doações, protegendo as aldeias, dando suporte espiritual e comandando importantes associações. Quanta potência escancarada!
Diante de tudo isso, nada mais justo que, no dia dedicado a esses povos, esse protagonismo seja verdadeiramente celebrado.
[1]A autora desenvolve algumas reflexões no texto: Mulheres indígenas: opressão, violência e resistência.
[2] Para saber mais acesse: www.onumulheres.org.br
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