O Carnaval e a Naturalização da Importunação Sexual - Generalizando
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O Carnaval e a Naturalização da Importunação Sexual

O Carnaval e a Naturalização da Importunação Sexual

Na história do Brasil, o carnaval possui sua origem ainda no período colonial. Popularizou-se nesse contexto a prática do entrudo, inspirada nos festejos da metrópole portuguesa. Esse era o momento em que os escravos saíam às ruas com seus rostos pintados jogando farinha e bolinhas de água de cheiro nas pessoas. Por ser considerada uma festa pagã, realizada pelos escravos, a elite colonial não participava.  No século XIX o entrudo foi criminalizado no Rio de Janeiro e os mais potentados daquela sociedade começaram a festejar o carnaval nos clubes privativos e nos teatros da cidade.

No decorrer do século XX o carnaval se popularizou e assumiu para si inúmeros tipos de manifestações, se tornando interessante, inclusive, comercialmente. É importante perceber que tanto nos seus primórdios no período colonial, como nos clubes e teatros do século XIX ou na nova configuração assumida no século XX, essa festa carrega consigo a ideia de liberdade e de certa forma, a ausência de limites. Como já pontuava Damatta, o carnaval é o mundo do excesso (excesso de prazer, de luxo, de alegria e de riso).[1]

Ritualizado e sensualizado o carnaval se torna também, um momento onde as mulheres, em especial, são objetificadas e assediadas. A naturalização do assédio, especialmente nessa data, é reflexo dos traços culturais da sociedade que se manifestam todos os dias, mas, que no carnaval parece obter um tipo de “licença” para acontecer explicitamente.

Há algum tempo a sociedade tem se mobilizado para combater esse tipo de situação nesse período do ano. Campanhas publicitárias já têm chamado a atenção para a necessidade de proteger as mulheres dos variados tipos de violência que podem ocorrer durante essa festa. A exemplo disso temos os slogans:  Não é Não, Meu Corpo Não é sua Folia, Tô Na Rua mas Não Sou Sua, dentre outros.         Isso sem contar a promulgação da Lei nº 13.718/18 de importunação sexual, sancionada em setembro de 2018, que caracteriza como crime a realização de atos libidinosos na presença de alguém e sem seu consentimento, toques inapropriados ou beijos “roubados”, por exemplo.

O intuito dessa reflexão não é “criminalizar” essa manifestação cultural que apresenta de forma explicita a nossa diversidade de cor, de classe, de crenças. Nem mesmo diminuir sua importância enquanto manifestação política e social. No entanto é preciso pensar sobre a necessidade de desnaturalizar determinados comportamentos sociais que, pelas características culturais, se amplificam no carnaval. Esse fato só reforça o quanto as mulheres estão vulneráveis diante da intolerância e do machismo existente em nossa sociedade.

Mulher na rua, no bloco, na avenida, independente de como está vestida não pode ser encarada como passe livre para passadas de mão, beijos forçados …. sendo carnaval ou não é preciso respeitar o direito dela de estar  onde quiser, com quem quiser e da forma como quiser. A conscientização e a denúncia são importantes fatores para mudança de comportamento.

[1] DAMATTA, Roberto. O que faz o Brasil, Brasil? Rio de Janeiro, Rocco, 1986.

Marusa Silva

Marusa Silva

Doutora em Sociologia Política, pesquisadora e autora de livros e artigos sobre desigualdade de gênero e integrante do Atelier de estudos de gênero da Universidade Estadual do Norte Fluminense – RJ

1 Comentário
  • Avatar
    Nilza Anido Lira
    Publicado em 11:44h, 18 fevereiro Responder

    Incrível como a Dra. Marusa consegue, de uma forma muito clara e objetiva, esclarecer pontos vulneráveis da história da importunação sexual da mulher, principalmente em ocasiões como o carnaval que deveria ser a oportunidade inigualável de diversão e no entanto, por falta de limites de muitos, se torna em oportunidade de desrespeito!
    Parabéns!!!!

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