Por que as mulheres não aparecem na História?
Qualquer criança e/ou adolescente é capaz, se provocado, de estranhar a ausência das mulheres na História. Passamos a vida escolar estudando os eventos importantes da humanidade, muitos desses eventos foram revolucionários e responsáveis por ruptura profundas na sociedade.
No entanto, quando olhamos mais cuidadosamente para os acontecimentos históricos somos incomodados por um profundo silêncio. Me refiro ao silêncio das mulheres. O que os livros didáticos, os currículos escolares e os professores, com algumas exceções, reproduzem é uma história masculina. Narrada e realizada, em boa medida por homens, a partir do seu olhar, do seu lugar de fala e de poder.
Partindo do pressuposto que a narrativa histórica é também um campo de disputas ideológicas, políticas e de poder, o que temos é uma versão do que se entendeu, por muito tempo, ser a história oficial. Uma abordagem que apagou, quase que por completa, a participação e atuação das mulheres em momento determinantes da história da humanidade.
Ondem estão as mulheres quando estudamos e ensinamos nas escolas a sociedade ateniense? Não damos voz a Hipátia, matemática e filósofa de Alexandrina, que lecionava filosofia e astronomia. Durante o período da Idade Média, as mulheres foram as maiores vítimas do movimento de caça às bruxas. Por que elas? Caçadas por serem consideradas perigosas, especialmente aquelas que não se enquadravam no comportamento social considerado adequado para época, ou seja, a de submissas. Também eram perseguidas as mulheres que possuíam algum tipo de saber como conhecimento sobre ervas que pudessem curar alguns males, bem como aqueles que decidiam experimentar livremente sua sexualidade ou fazer escolhas sobre seu próprio corpo. Ah o corpo! Este nunca foi considerado o espaço privado da mulher e sim um objeto público, de interesse masculino e agência do Estado ou da Igreja.
Avançando um pouco mais até o século XVIII, temos o movimento iluminista carregado da valorização da racionalidade e da defesa do universalismo. Uma das vozes mais importantes desse movimento, Jean Jacques Rousseau, considerava que a mulher não deveria ter acesso aos mesmos direitos que os homens. As mulheres deviam ser educadas para o espaço privado e os homens para o espaço público, escrevia o filósofo. Os escritos de Rousseau foram utilizados como referência teórica para os revolucionários da mais importante revolução da modernidade, a Revolução Francesa. Onde estavam as mulheres durante o movimento revolucionário francês que lutava por liberdade, igualdade e fraternidade? Na narrativa da “história oficial” elas são invisíveis.
O processo de apagamento da participação da mulher na Revolução Francesa começa antes mesmo da construção da narrativa histórica sobre esse evento. Assim que os revolucionários saem vitoriosos promulgam a tão festejada Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, o problema é que a Declaração não contemplava de maneira igual os direitos das mulheres. Foi então que Oliympe de Gouges, ativista política que criticou o patriarcalismo materializado na Declaração de 1789, escreveu a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã defendendo a cidadania plena para as mulheres. Por conta de seus escritos foi guilhotinada, pelos mesmos homens que defenderam a igualdade e que a negaram para as mulheres.
Em toda a história da humanidade, as mulheres estiveram presentes participando, dentro de suas possibilidades. Nos movimentos operários e sindicais do século XIX, na luta por direitos iguais e em defesa da abolição, foram inúmeras as contribuições femininas na luta e na produção intelectual. Entretanto, foi preciso também lutar muito para que elas pudessem ser trazidas para o protagonismo da História. Para que fossem retiradas do limbo do esquecimento e da invisibilidade.
Houve muita demora para que uma história das mulheres fosse escrita. E era preciso e urgente escrevê-la porque como nos ensina Perrot[1], a História por muito tempo “esqueceu” as mulheres como se elas estivessem “fora do tempo ou do acontecimento”. Por outro lado, a ascensão de uma história das mulheres não mudou muito o seu lugar e sua condição, haja vista que até hoje muitas abordagens excluem por completo a presença de mulheres. Mas ao menos, a história das mulheres, permitiu uma compreensão melhor desse silêncio e uma possibilidade de fazer barulho. Precisamos fazer barulho para quebrar o silêncio profundo e histórico que cercou a vida, a experiência e as contribuições das mulheres. Sem nos esquecermos que a história é um espaço de disputa e que muitas narrativas pretendem e pretenderão silenciar novamente as mulheres.
[1] Michelle Perrot, historiadora francesa dedicada a escrever e estudar a história das mulheres.
Fabiana
Publicado em 11:48h, 16 julhoUma das coisas que sempre me incomodaram na escola era quando eu perguntava aos meus professoras de História sobre onde estavam as mulheres nos grandes contextos que me arrebatavam? Quantas vezes sai frustrada das aulas… Se por um lado eu achava demais todos aqueles movimentos sociais por outro me sentia arrasada pq meus professores não tinhas as respostas que eu queria. Hoje eu entendo que essas respostas não me foram dadas por eles por maldade, mas sim por desconhecimento. Eles também não tiveram acesso a essas informações. Seus referenciais também não tinham o repertório feminino. Ainda bem que a terra não é plana e nessas muitas voltas assisto mulheres tornando-se e revelando as protagonistas.
Parabéns! Texto excelente!
Marusa Silva
Publicado em 19:23h, 22 julhoFabiana eu também sentia essa ausência. Durante toda a minha formação escolar e também na graduação. Ainda bem que agora temos feitos descobertas importantes sobre o papel das mulheres nesses eventos históricos. Grande beijo!