Por que precisamos de um teto todo nosso?
Quando nos debruçamos sobre a história das mulheres nos deparamos com inúmeros espaços vazios. Espaços onde não vemos mulheres, não lemos mulheres, onde simplesmente, elas parecem não existir.
Esses espaços vazios sempre me incomodaram e, em muitos momentos, ficava tentando imaginar onde estariam ELAS enquanto ELES faziam as revoluções, as guerras, promulgavam constituições, escreviam peças de teatro, literatura, ficção, tratados de filosofia política…
Elas não ocupavam esses espaços, sabemos, pois não era permitido pela cultura, pela religião ou pelas normas sociais. Ok, então! Mas, essa resposta não satisfaz por completo o meu incômodo. Satisfaz o seu?
Existem condições primordiais para que nós, todos nós, possamos desenvolver habilidades que permitam que façamos revoluções, guerras, leis, ciência… A autonomia necessária para criar, tomar decisões de dar rumo à própria vida depende, também, da vida material.
No ensaio “Um teto todo seu”, Virginia Woolf constrói essa reflexão. Ao ser convidada para palestrar sobre o tema mulheres e ficção, a autora nos leva à um passeio pela vida material das mulheres. Em um contexto histórico onde as mulheres (de classe média) não podiam trabalhar, tinham acesso a uma educação para a vida doméstica e não tinham direito a herança, a sua autonomia e condição de criação eram impactadas.
Ter um teto todo seu significa ter autonomia, controlar seu tempo, se dona de si, de seus pensamentos e de seus projetos. Só nessas condições, as mulheres poderiam criar, sair da sombra e ser protagonista da história.
As mulheres são punidas pelos sacrifícios que precisam fazer, quase sempre pelo outro. Pelo marido, pelos filhos, pelos pais idosos e doentes, pelos costumes… Vamos pensar sobre isso, falta de tempo para si e desejos emudecidos não erguem catedrais, não fazem guerras, não criam leis, não escrevem tratados políticos.
Claro que tivemos, nesse contexto, mulheres que enfrentaram esses obstáculos, correndo riscos, vivendo na penúria e com receio de ter a identidade descoberta. O fato é que, a autonomia que um teto todo nosso nos dá, não estava disponível e, em muitos casos, ainda hoje, não está para muitas mulheres.
Wollf nos instiga com o seguinte questionamento: será que se Shakespeare tivesse uma irmã igualmente ou (mais talentosa), teria as mesmas condições e oportunidades que ele? Será que ela teria tido tempo de ler os clássicos da literatura mundial, sem ser interrompida? Teria tido um teto todo seu para escrever? Poderia na adolescência ter se negado a casar com o homem escolhido pelo pai? Poderia ter negado a maternidade? Poderia ter se negado a continuar com uma gravidez indesejada?
De certa forma, alguns desses questionamentos fazem muito sentido para nós mulheres, na atualidade. Esse “teto” que é essencial para que possamos pensar livre da sujeição, está ao alcance das mulheres?
Como ter acesso a essa condição se continuamos sendo pelos “outros” ? Se o tempo dedicado às tarefas domésticas e de cuidados, pelas mulheres é infinitamente superior ao tempo que os homens dedicam às mesmas tarefas? Se mulheres criam seus filhos sozinhas, se equilibrando na exaustiva dupla jornada? Se são a parcela mais empobrecida do mundo?
Alguns disseram que Virginia Woolf não chegou onde deveria chegar, na relação entre mulheres e ficção, o tema para o qual foi convidada a falar. Ela não chegou “lá” porque não existia esse lugar, na Inglaterra de 1928.
Com o passar do tempo, muitas mulheres chegaram a esse lugar, quase sempre fazendo um enorme esforço, quando não sacrifícios, anulando ou adiando outros planos. Precisando provar sempre que são tão capazes quanto os homens, até porque como ensina Perrot[1], a carreira é uma noção masculina que, quase sempre, exige uma espécie de celibato.
Apesar dos avanços, a reflexão feita por Virginia Woolf nos faz enxergar que o direito a um “teto todo seu” continua sendo condição fundamental para a verdadeira libertação das mulheres.
[1] PERROT, Michelle. As Mulheres ou os Silêncios da História. São Paulo: Edusc, 2005.
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