Quais são as mulheres que mais sofrem na Pandemia? Uma reflexão sobre gênero, raça e maternidade - Generalizando
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Quais são as mulheres que mais sofrem na Pandemia? Uma reflexão sobre gênero, raça e maternidade

Quais são as mulheres que mais sofrem na Pandemia? Uma reflexão sobre gênero, raça e maternidade

Muito tem se falado sobre como o contexto da pandemia de COVID-19 tem afetado as mulheres de maneira bem particular. A necessidade do trabalho remoto, que para algumas delas se fez presente, foi responsável por desvelar a face mais intensa da desigualdade de gênero. Desde o início do isolamento social elas se viram assoberbadas com as tarefas domésticas, as obrigações profissionais, o acompanhamento das aulas remotas dos filhos e com o trabalho de cuidado.

Uma pesquisa realizada pelas organizações Gênero e Número e Sempreviva Organização Feminista (SOF) concluiu que metade das mulheres brasileiras passou a cuidar de alguém na pandemia. Entre as que vivem no campo o índice é de 62%, entre as negras 52% enquanto entre as brancas o índice ficou em 46%. Diante desses números fica claro o fato do care (trabalho de cuidado) ser um “trabalho socialmente feminino”.

No entanto, as consequências da pandemia para as mulheres vão além da sobrecarga de trabalho. Um estudo realizado por um grupo de profissionais da área de saúde, incluindo enfermeiras e obstetras brasileiras, ligadas à Unesp, UFSCar, IMIP e UFSC aponta que 200 mulheres gestantes ou que estavam no puerpério morreram de COVID-19 no Brasil. Esse número representa 77% das mortes registradas no mundo. Em outras palavras, morreram mais mulheres grávidas ou no pós-parto no Brasil do que em todos os outros países somados.[1]

Ainda segundo o estudo, a taxa de mortalidade é de 12,7% na população obstétrica brasileira, número superior às taxas mundiais reveladas até o momento. O maior número das mortes aconteceu no puerpério, em torno de 42 dias após o nascimento do bebê. Esse triste cenário pode estar relacionado com a imunodeficiência relativa as adaptações fisiológicas maternas, mas também a desigualdade social e ao racismo.

O acesso a um atendimento pré-natal ineficiente e de baixa qualidade, a falta de recursos para os cuidados críticos ou de urgência, bem como as disparidades raciais em relação aos serviços de maternidade, são fatores que explicam a alta taxa de mortalidade dessas mulheres no Brasil.

O estudo ressalta que 22,6% das mulheres que morreram não foram admitidas na UTI (inexistência de leitos vagos) e em 14,6% de todos os casos fatais, as pacientes não tiveram acesso a nenhum suporte ventilatório. Esses dados sugerem a dificuldade que mulheres pobres enfrentam para acessar um tratamento adequado de saúde.

Outra conclusão da pesquisa foi o recorte racial nesse contexto. Segundo as pesquisadoras, mulheres grávidas pretas têm quase o dobro de chance de morrer de COVID-19 no Brasil do que as grávidas brancas. Enquanto que para as brancas a chance de morrer da doença é de 8,9%, entre as pretas a probabilidade chegou a 17%. Além de terem mais ricos de morrer, as mulheres grávidas pretas necessitaram mais de internação na UTI do que as brancas e também de acesso a ventiladores.

Esse é o retrato do racismo estrutural que faz parte da sociedade. As mulheres pretas têm menos acesso ao atendimento de saúde, demoram mais que as brancas para procurar um médico, um hospital, chegando muitas vezes em estado grave. As mulheres pretas morrem mais que as mulheres brancas. Esse é um triste fato no nosso país e a pandemia vem escancarando essas feridas.

Pensar sobre a condição desigual da mulher no Brasil exige que reconheçamos elementos que marcam uma experiência bem específica de cada mulher. A classe e a cor dão contornos ainda mais cruéis a essa desigualdade. Por isso, é urgente lutarmos contra essas estruturas de desigualdade.  É simbólico lembrar, para aqueles que estão inclinado a pensar a narrativa vitimista, que a primeira morte por COVID-19 no Estado do Rio de Janeiro foi de uma empregada doméstica, mulher preta e pobre.

[1] Estudo publicado no dia 28 de julho de 2020 na revista científica Clinical Infectious Diseases.

Marusa Silva

Marusa Silva

Doutora em Sociologia Política, pesquisadora e autora de livros e artigos sobre desigualdade de gênero e integrante do Atelier de estudos de gênero da Universidade Estadual do Norte Fluminense – RJ

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