Retratos das mulheres indígenas no Brasil
No dia 5 de setembro comemora-se o Dia Internacional da Mulher Indígena. Essa data foi instituída em 1993, durante a realização do II Encontro de Organizações e Movimentos da América, em Tihuanacu, na Bolívia. Esse é um marco simbólico porque lembra o assassinato de Bartolina Sisa, no dia 5 de setembro de 1782.
Sisa era uma mulher quéchua que foi esquartejada durante a rebelião anticolonial de Túpaj Katari, no alto Peru. A resistência dos povos ameríndios, durante o processo de colonização tem sido bastante debatida, sobretudo na academia. Dados e novas descobertas colaboram para a construção de uma narrativa diferente daquela tradicional, durante muito tempo ensinada nas escolas.
Historicamente, as mulheres indígenas, tanto no Brasil quanto na América Latina, desempenham papel importante como agentes de mudanças na família e na comunidade. Por outro lado, o fato dessa cultura ter sido desprezada, sobretudo no Brasil, fez com que essas mulheres ficassem invisíveis.
Há algum tempo, a interseccionalidade vem sendo o caminho para o feminismo pensar sobre as múltiplas mulheres, os múltiplos sistemas de opressão sob os quais, algumas delas, estão subjugadas. Mesmo assim, pouco falamos das mulheres indígenas quando pensamos o feminismo.
O modelo de desenvolvimento econômico imposto no Brasil, afeta de maneira muito particular, essas mulheres que sofrem com os impactos provocados no meio ambiente. A perda de território e de recursos ambientais, que vem ocorrendo desde a colonização do Brasil, afeta a autonomia alimentar desses povos e como as mulheres, em muitas dessas comunidades tradicionais são as responsáveis por cuidar da alimentação, são as mais penalizadas.
A violência também é uma constante na vida delas. Um estudo da ONU (Organização das Nações Unidas) chama atenção para o fato da violência contra as mulheres e meninas indígenas ser pouco discutida e até mesmo velada em alguns países. De acordo com a organização a violência contra a mulher indígena é intensificada pelo histórico de dominação colonial, exclusão política e econômica e ausência de serviços básicos. Além do tráfico humano, da exploração sexual e do trabalho forçado ou análogo a escravidão.[1]
A exploração sexual de meninas e mulheres indígenas vem crescendo, essa é a conclusão do Ministério Público Federal do Amazonas (MPF/AM) que ofereceu denúncia à Justiça Federal indicando 10 pessoas suspeitas de praticarem crimes relacionados à exploração sexual de crianças e adolescentes indígenas, no município de São Gabriel da Cachoeira. De acordo com a denúncia, o esquema criminoso envolve vítimas de até 10 anos de idades trocadas por presentes e valores que não ultrapassam R$ 200,00.[2]
A violência doméstica também está presente na realidade das mulheres indígenas. A Lei Maria da Penha não contempla as especificidades desses povos como alerta a historiadora indígena do Povo Wapichana, Léia Bezerra. Em muitas comunidades indígenas permanecem um modo muito “próprio” de resolução de conflitos, onde a violência tem espaço e o Estado não se apresenta para proteger essas mulheres.
O Relatório Estatístico do Poder Judiciário do Mato Grosso do Sul[3], com dados referentes ao ano de 2019, aponta para um triste e preocupante cenário vivenciado por mulheres e meninas indígenas no Estado. De acordo com esse levantamento, 14% dos casos de feminicídio no ano passado envolveram vítima ou agressor indígena. O que chama atenção é que a população indígena representa apenas 3% da população sul-matogrossense, conforme dados do IBGE. Indicando um índice elevado desse tipo de violência entre esses povos.
O que se vislumbra é um cenário de vulnerabilidade, de modo geral, de toda a população indígena que vive no Brasil, em especial das mulheres. Elas são impactas de variadas maneiras e estão em situação de “apagamento” perante o Estado. Mesmo assim, elas têm tomado as rédeas de sua história, se organizando e articulando em inúmeros movimentos para reivindicar os direitos dos seus povos, os seus direitos e a sua proteção.
No dia 13 de agosto de 2019, cerca de três mil mulheres indígenas de aproximadamente 115 povos, vindas de várias partes do Brasil se reuniram marcharam em frente a Esplanada dos Ministérios, em Brasília, na I Marcha de Mulheres Indígenas. Com o tema: “Território: nosso corpo, nosso espírito” se colocaram contra a política genocida do presidente Jair Bolsonaro. Reivindicaram o direito à terra, o respeito aos territórios demarcados, a proteção do meio ambiente e a preservação de suas culturas, dando assim, um pontapé importante para a construção de uma história de empoderamento.
Apesar do histórico de violação e de violência que marcou a vida dos indígenas no Brasil, de modo muito particular a das mulheres, elas nos mostram toda a sua força denunciando os variados abusos e ausências do Estado, reivindicando seus direitos. Uma forma ímpar de afirmar sua existência e resistência.
[1] Disponível em: http://www.onumulheres.org.br. Acessado em: 02/09/2020.
[2] Disponível em: https://appsindicato.org.br. Acessado em: 02/09/2020.
[3] Disponível em: https://www.cnj.jus.br. Acessado em: 02/09/2020.
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