É possível ser feminista sem ser militante? - Generalizando
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É possível ser feminista sem ser militante?

É possível ser feminista sem ser militante?

A pergunta que direciona esse texto foi feita à escritora feminista Chimamanda Ngozi Adichie no programa Roda Viva, da TV Cultura, no dia 14/06/2020 e preciso dizer que me pegou de cheio. Essa pergunta me levou a refletir sobre o que é ser feminista. Na verdade, há algum tempo venho me questionando sobre isso.

O meu contato com o feminismo, enquanto teoria, se deu há mais ou menos 12 anos. Foi aí que comecei a estudar o que era o feminismo, a sua filosofia. E antes disso? Eu me pergunto, eu não era feminista? Revisitando o passado eu me lembro que sempre me incomodou a forma como as mulheres são tratadas em nossa cultura. Sempre questionei padrões, mas sobre algumas questões, digamos, eu não pensava. Tenho certeza de que sempre fui feminista, mas tive verdadeira consciência disso quando passei a estudar o movimento.

O feminismo é teoria e prática. É uma filosofia que exige ação, mas penso que essa ação pode ser materializada quando realizamos algum trabalho que dê visibilidade ao feminismo e as suas demandas, ou quando, individualmente, cada uma de nós, no nosso dia a dia tomamos consciência da nossa capacidade, da nossa autonomia e fazemos assim escolhas nesse sentido.

Existe a cobrança, para assumirmos uma atitude militante. Somos provocadas, diariamente, a nos envolver em movimentos, coletivos, militância virtual, explicitando assim o nosso feminismo. Mas, tenho tendência a concordar com Chimamanda quando ela nos diz que precisamos cobrar menos das mulheres. Muitas, vivenciam seu feminismo no seu cotidiano porque não têm tempo para militar, seja porque são donas do seu próprio negócio, o que toma a maior parte do seu tempo, porque são mães solo, que não conseguem tempo nem para um banho um pouco mais demorado ou porque estão cuidando de outros, de muitos, crianças, idosos e doentes, seus ou dos outros.

Por outro lado, vamos pensar, quantas mulheres estão se movimentando em suas comunidades para ajudar outras mulheres, suas vizinhas e amigas? Quantas estão nas salas de aula, física ou remota (dado o contexto da pandemia) com recursos escassos fazendo o melhor para que a educação seja transformadora para meninas e meninos? E elas não seriam feministas?

O feminismo não pode e não deve se resumir a Universidade, aos livros, as discussões e eventos acadêmicos, apenas. Ele dever romper essa barreira e chegar na periferia, nas mulheres que nos dão a aula de resistência feminina e feminista, mas que carecem de tempo e de condições materiais para estudar e militar.

Chimamanda, afirmou que seu feminismo foi formado pela observação da realidade social e que não precisou ler nos livros, a teoria, para se identificar com as demandas dos movimentos feministas.    Com isso não quero dizer que não é importante estudar, sobretudo penso que estudar é importante e necessário para militar. Por outro lado, o feminismo enquanto prática e vivência não deve ser pensado, exclusivamente, como ação militante nos grupos, coletivos, movimentos ou projetos.

Talvez devêssemos observar, com mais atenção, essas experiências que estão distantes dos holofotes das redes sociais e valorizá-las enquanto aprendizado de um feminismo real e possível para muitas mulheres.

Marusa Silva

Marusa Silva

Doutora em Sociologia Política, pesquisadora e autora de livros e artigos sobre desigualdade de gênero e integrante do Atelier de estudos de gênero da Universidade Estadual do Norte Fluminense – RJ

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