O machismo mata - Generalizando
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O machismo mata

O machismo mata

No período do natal, onde culturalmente celebramos o nascimento de Jesus Cristo e toda a mensagem de esperança e fé, é comum que tenhamos manchetes de jornais dando conta da correria de última hora para as compras de presentes e/ou de produtos para ceia. Em tempos de pandemia poderíamos imaginar notícias sobre aglomerações em centros de comércio popular e conscientização para um natal diferente de todos os outros, onde o indicado é o distanciamento social. Mas, o ano de 2020 fez toda a sociedade brasileira se deparar com outros tipos de notícias.

A morte como protagonista, mas agora não as causadas pela pandemia do  COVID-19, mas por outro tipo de pandemia, que resiste ao tempo, aos avanços científicos e que por vezes se torna quase invisível. A morte desta vez é a causada pelo machismo!

Viviane Vieira do Amaral, 45 anos, juíza e moradora de Niterói (RJ); Thalia Ferraz, 23 anos, moradora de Jaguará do Sul (SC); Evelaine Aparecida Ricardo, 29 anos, moradora de Campo Largo (PR); Loni Priebe de Almeida, 74 anos, moradora  de Ibarama (RS); Anna Paula Porfírio dos Santos, 45 anos, moradora de Recife (PE); e Aline Arns, 38 anos, moradora de Forquilhinha (SC). O que estas mulheres têm em comum? Foram assassinadas por companheiros e/ou ex-companheiros. Mulheres que não se conheciam, que viviam suas vidas separadamente e que, no natal passadol, entraram para as estatísticas do  feminicídio no Brasil.

Viviane Vieira do Amaral foi assassinada na véspera de natal com 16 facadas, desferidas por seu ex-marido e na frente das três filhas pequenas. Thalia foi morta a tiros pelo ex-companheiro na frente de parentes. Evelaine foi baleada pelo namorado durante a ceia. Loni recebeu um tiro na cabeça pelo ex-companheiro, que cometeu suicídio, e chegou a ser socorrida, mas não resistiu. No dia 25, Anna Paula foi morta a tiros pelo marido dentro de casa, onde também estava a filha de 12 anos e Aline foi baleada pelo ex-companheiro também no interior da residência por volta das 20h30.

O ano mudou e 2021 surgiu como um replay de 2020. A pandemia tem alcançado números recordes de infectados e de mortes e, aquela outra pandemia da qual pontuamos acima continua tirando de suas famílias, amigos e filhos muitas mulheres.

No norte do Estado do Rio de Janeiro mais um caso, entre tantos que acontecem todos os dias sem cessar. A enfermeira Kissila Goudard, de 32 anos, foi assassinada a facadas na manhã do dia 15 de março. A vítima chegou a pular de um carro em movimento para se salvar, mas morreu ao chegar ao hospital. O marido é o suspeito do crime e já está preso.

Este é o triste retrato do que o machismo causa. Ele violenta e mata mulheres todos os dias no nosso país. Homens, maridos, ex-maridos, companheiros, ex-companheiros, namorados e ex-namorados, todos são  homens que não aceitam o fim do relacionamento, a autonomia ou a liberdade das mulheres. Homens que percebem as mulheres como seus objetos pessoais, que podem e devem ser descartados quando assim decidirem.

Há que se ressaltar, ainda, que o feminicídio é caracterizado como um crime de ódio e neste caso, por misoginia, mata-se a vítima porque é mulher e na maioria das vezes está associado a um contexto de violência doméstica.

Segundo dados do Instituto de Segurança Pública, divulgados no “Dossiê mulher 2020”, pouco mais de 47% dos casos tem como autor do fato o companheiro ou ex-companheiro e em 89% dos casos relativos ao ano de 2019, no Estado do Rio de Janeiro, a violência ocorreu na residência da vítima.

É assustador ver que dos casos de homicídio em que mulheres são vítimas, em aproximadamente 38% dos casos há qualificadora do feminicídio e em quase 40% das tentativas de homicídio foram classificadas como feminicídio tentado (Dossiê Mulher 2020 – 15. ed. Rio de Janeiro: Instituto de Segurança Pública, 2020).

Este é o retrato de uma sociedade doente, que diante de uma notícia de feminicídio ainda pergunta: mas, o que ela fez? Como se houvesse algo capaz de justificar tamanha brutalidade e covardia. Uma sociedade que minimiza a luta das mulheres e que classifica as denúncias de machismo como exageradas ou mimimi.

Quando uma mulher é morta pelo simples fato de ser mulher, toda a sociedade é marcada e impactada. O feminicídio causa dor e revolta naqueles que ficam e são obrigados a conviver com as lembranças. Quantos órfãos são “produzidos” pelo machismo? Quantas crianças crescerão sem a mãe e sem o pai, quando este é preso. Qual o resultado disso tudo para o grupo social?

Precisamos encarar esse problema como um problema de todos e não só das pautas do movimento feminista. Precisamos repensar e desconstruir o machismo tóxico que molda perfis de homens violentos e incapazes de respeitar a vontade de uma mulher. Só assim daremos fim a esse tipo de violência.

Marusa Silva e Catarina Souza

Marusa Silva e Catarina Souza

Marusa e Catarina são doutoras em Sociologia Política e pesquisadoras sobre as temáticas de gênero e diversidade.

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