Assédio: por que as denúncias não surpreendem mais as mulheres? - Generalizando
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Assédio: por que as denúncias não surpreendem mais as mulheres?

Assédio: por que as denúncias não surpreendem mais as mulheres?

Na sexta-feira, 04 de junho de 2021, Rogério Caboclo, presidente da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), foi afastado do cargo, temporariamente, depois de ter sido denunciado por uma funcionária de ter cometido assédio sexual e moral. A denúncia foi levada ao Comitê de Ética da instituição. Áudios gravados pela mulher foram divulgados pela mídia, o que colaborou para a repercussão do caso.

Os trechos das gravações revelam atitudes machistas de Caboclo, que relata intimidades com sua esposa e chega a perguntar à funcionária se ela se masturba. Uma coleção de absurdos, que gera constrangimento e repulsa quando se ouve. Mas, por mais que essas conversas causem nojo e revolta, a funcionária afirma que em uma ocasião seu chefe lhe ofereceu biscoito para cachorro e a chamou  de “cadelinha”, elas não nos surpreendem. É mais um caso de assédio vivenciado por uma mulher.

O fato é que mesmo não causando surpresa, eles não devem ser tolerados ou naturalizados. Que mulher não passou ou conhece uma amiga que passou por situação de assédio no trabalho? Que mulher não ouviu comentários de um colega ou superior,  sobre sua aparência ou sobre sua roupa?

Pesquisa realizada pelo Linkedin e a consultoria Think Eva em 2020[1], revelou que 47% das mulheres já sofreram algum tipo de assédio no mercado de trabalho. Entre elas, 15% preferiram pedir demissão, isso significa que 1 em cada 6 brasileiras se demitiram por causa de atitudes abusivas. O que é um absurdo! A mesma pesquisa mostrou que 78% das entrevistadas não acreditam que algum tipo de punição efetiva aconteça para esses casos, revelando assim um cenário desolador para aquelas que levam à frente as denúncias.

A falta de confiança das vítimas têm razão de ser. São muitos os casos de assédio que, mesmo após denúncias, foram arquivados e esquecidos. No caso do presidente da CBF o afastamento de 30 dias, após repercussão do caso e pressão de patrocinadores, precisa ser acompanhado atentamente para que se compreenda se existe, de fato, disposição para averiguação e, em caso de não restar nenhuma dúvida, a punição. Ou se seria apenas uma estratégia para “apagar o incêndio” e evitar maiores desgastes para a entidade, que historicamente, já vem tendo sua imagem desgastada por uma série de denúncias que envolvem seus membros com atos de corrupção.

O mundo do futebol é masculino. Mesmo que as mulheres estejam mais presentes nesse espaço hoje,  do que há algumas décadas, ainda é o lócus do machismo e da “solidariedade” entre aqueles que compartilham com atitudes de cunho machista. Uma reportagem publicada pelo site “Ge”, informa que dirigentes da CBF tinham conhecimento da situação que envolvia o funcionário e o presidente da entidade, da mesma forma que sabiam da existência de provas contra Caboclo. A situação,de acordo com a mulher que denunciou o assédio, acontecia desde abril de 2020.

Se a publicização de mais um caso de assédio, sofrido por uma mulher no mercado de trabalho não causa surpresa em nós, que ele sirva para demonstrar nossa indignação e repúdio pela persistência desse tipo de prática, bem como a nossa exigência para que ações e punições efetivas sejam concretizadas. É preciso que todos saibam que não vamos nos calar diante de tamanha violência.

[1] Disponível em: https://www.linkedin.com/news/story/47-das-mulheres-j%C3%A1-sofreram-ass%C3%A9dio-sexual-no-trabalho-4967988/ acesso: 10/08/2020

Marusa Silva

Marusa Silva

Doutora em Sociologia Política, pesquisadora e autora de livros e artigos sobre desigualdade de gênero e integrante do Atelier de estudos de gênero da Universidade Estadual do Norte Fluminense – RJ

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