Como o neoliberalismo afeta as mulheres? - Generalizando
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Como o neoliberalismo afeta as mulheres?

Como o neoliberalismo afeta as mulheres?

Após a Segunda Guerra mundial, o mundo se deparou com um novo ordenamento político e ideológico. Emergem desse conflito duas grandes potências, representantes de ideologia política, econômica e social distintas, a saber: Estados Unidos da América e o Capitalismo e a União Soviética com o Socialismo.

Neste mesmo contexto foi criada a Organização das Nações Unidas em 1945, com o compromisso vital de manter a paz. Em 1948 a Declaração Universal dos Direitos Humanos surgiu como a materialização de uma política progressista. De acordo com Boaventura de Sousa Santos[1] com a falência do socialismo, assinalada com o fim da Guerra Fria, os Direitos Humanos surgiram como uma possibilidade de agenda emancipatória. Em outros termos, a agenda do socialismo tinha como base a igualdade e os Direitos Humanos elaboraram a linguagem da igualdade para alcançar a emancipação social.

Entretanto, importa pensar que se por um lado as principais potências capitalistas corroboraram a carta de 1948 se comprometendo com valores como igualdade, liberdade, democracia e a dignidade humana, a partir de 1970 o Estado de Bem-Estar Social sofreu importantes restrições nas políticas sociais, a começar pela Inglaterra chegando aos Estados Unidos da América que se tornou um importante propagador desse modelo. Como é sabido, o Estado neoliberal opera por meio do discurso da menor intervenção reduzindo assim, de maneira significativa, serviços e assistência social em nome de um melhor desempenho e eficiência.

Considerando essa realidade, as mulheres ficam em situação de muita fragilidade, uma vez que já se configuram na parcela mais pobre da sociedade mundial, conforme relatório divulgado pela OXFAM em janeiro de 2020.[2] Desse modo, a diminuição de investimentos em assistência, como por exemplo: a oferta de creches, escola em tempo integral, casa de acolhimento para idosos, etc., impactam diretamente na condição e na qualidade de vida das mulheres, uma vez que caberão a elas assumir esse trabalho.

O cerne da desigualdade entre homens e mulheres está na divisão sexual do trabalho. As tarefas domésticas e de cuidados são percebidas como responsabilidade feminina e isso impacta diretamente na condição de igualdade da mulher na sociedade. A carreira, os objetivos pessoais e a qualificação ficam em segundo plano. A possibilidade, para muitas mulheres é a conciliação do trabalho doméstico com o trabalho remunerado, o que afeta a saúde física e psicológica delas. Aliás, conciliar se torna para a mulher uma bola de ferro amarrada as suas pernas, dificultando, quando não, impedindo-a de ir mais longe, alcançar seus objetivos e ser reconhecida.

Por isso é importante que o Estado assuma o compromisso com a igualdade e com a dignidade, que invista em políticas públicas que possam atender as demandas dos mais pobres, dos marginalizados, das minorias sociais onde a mulher está incluída. O que precisamos defender é um Estado que invista na oferta de serviços que possam liberar a mulher das amarras sociais dando a elas condições de buscar independência e autonomia, via trabalho valorizado e qualificação.

O movimento feminista em sua segunda onda, que floresceu entre os anos de 1960 e início de 1980, elaborou um discurso mais radical do que o apresentado na primeira onda. O lema “o pessoal é político” era uma forma de chamar atenção, dentre outras coisas, para a divisão sexual do trabalho como um problema que deveria ser tratado também pelo Estado. As feministas dessa onda defendiam a politização do pessoal. O discurso, dos setores mais conservadores, que propõe que questões da vida social devem ser resolvidas e tratadas pela família e somente por essa instituição, como por exemplo o trabalho de cuidado (com crianças, idosos e doentes) é uma forma disfarçada de responsabilizar a mulher por toda essa demanda. Esse discurso retira a responsabilidade do Estado e encerra as mulheres no lar dificultando e impedindo sua autonomia. Ora, já sabemos que no final das contas, quando se fala em responsabilidade da família está implícita a responsabilidade feminina. É por aí que devemos começar a mudança!

[1] SANTOS. Boaventura S. Direitos Humanos e o Desafio da Interculturalidade. Revista Direitos Humanos, 2009.

[2] Disponível em: www.oxfam.org.br

Marusa Silva

Marusa Silva

Doutora em Sociologia Política, pesquisadora e autora de livros e artigos sobre desigualdade de gênero e integrante do Atelier de estudos de gênero da Universidade Estadual do Norte Fluminense – RJ

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