Envelhecer é permitido às mulheres? - Generalizando
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Envelhecer é permitido às mulheres?

Envelhecer é permitido às mulheres?

A velhice é um fenômeno predominantemente feminino. Existem muito mais mulheres envelhecendo no mundo do que homens. Isso se dá por inúmeros fatores, dentre eles o fato das mulheres cuidarem mais da saúde, visitarem regularmente o médico e por serem menos atingidas pela violência urbana (claro, se não mencionarmos a violência doméstica). De acordo com o IBGE (2020), as mulheres vivem cerca de 7 anos a mais e a expectativa de vida passou de 79,9 para 80,1 anos para as mulheres. Já para os homens, o aumento foi de 72,8 anos para 73,1 anos.

No entanto, é preciso considerar que as mulheres se tornam socialmente mais velhas muito cedo, bem antes que os homens. O curioso, para dizer o mínimo, é que existem muitos esforços, inclusive da ciência, para garantir a longevidade. Então porque é tão penoso para as mulheres envelhecer? Não seria esse o objetivo de todos nós? Viver mais?

O envelhecimento é rechaçado nas mulheres. Os homens mais velhos são considerados charmosos porque eles emitem a ideia de poder, que nos homens é um atrativo, mas é feio nas mulheres, porque a sociedade nos trata como decoração. Por isso, a adolescência feminina é tida como o ápice de nossa vida. O que as mulheres têm a dizer não é importante, nossa aparência é que é. O conhecimento adquirido pelas mulheres, que vem com o passar do tempo, conforme a gente vai vivendo, é considerado feio.

Vivemos a lógica jovencêntrica onde o longevo não é visto, ou na melhor das hipóteses, é percebido como substituível. As referências de beleza, de saúde e de modernidade são todas representadas a partir da jovialidade. Nosso mundo não permite o envelhecimento, não tal como ele é, no seu processo natural, sobretudo para as mulheres.

O que se impõe é uma falsa e equivocada ideia que o envelhecimento deve acontecer a partir de intervenções que façam com que esse indivíduo, principalmente a mulher, pareça sempre jovem. E nessa corrida injusta exercícios, dietas, cirurgias, medicamentos, estresse, depressão, não aceitação, tudo isso está no pacote. E como esse pacote é pesado!

Dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica mostram que mais de 1,5 milhão de procedimentos estéticos são realizados no Brasil todos os anos[1].Somos socializados em uma cultura que valoriza os aspectos físicos de uma mulher. As mais jovens são objetificadas pela cultura machista e a medida que envelhecem deixam de ser interessantes, dentro dessa lógica, e passam a ser vítimas de preconceitos relacionados à idade. Coisas que parecem simples, como por exemplo, os cabelos brancos, servem como ilustração para essa nossa reflexão. Para os homens, os fios grisalhos sempre foram interpretados com charme, enquanto para as mulheres sinônimo de desleixo com a aparência. Nós não podemos envelhecer! Pinte o cabelo, passe horas no salão fazendo mechas para cobrir os fios brancos! Esses são os comandos.

O etarismo ou o idadismo, como é chamado o preconceito em relação à idade, possui viés machista. Por que? Porque o peso de envelhecer para uma mulher é maior do que para os homens. Isso pode ser constatado em várias situações do cotidiano. Veja só como ainda choca a sociedade quando uma mulher mais velha se relaciona com um homem mais novo. Não se lembram do caso da Fátima Bernardes? E o contrário? Não é alvo de tamanho interesse, a não ser para valorizar a masculinidade e a vaidade dos homens.

Em todas as esferas da vida social as mulheres sofrem com o preconceito etário. A partir dessa constatação podemos também pensar que existem formas de lutarmos contra essa opressão. Nesse ponto, o feminismo pode ajudar a cada uma de nós a passar pelo processo de envelhecimento de forma tranquila e em paz.

O feminismo nos permite enxergar que o nosso compromisso pessoal e político deve ser primeiro com a nossa existência. Não se engane imaginando que isso é egoísmo, porque não é, ao contrário, é amor interior. Precisamos nos ver como inteiras, orgulhosas da jornada que trilhamos e libertas das imposições sociais que só nos traz infelicidade.

Ser feminista é ser livre! Livre para ser quem você quiser ser. Livre para envelhecer em paz. E isso é edificado inicialmente dentro de cada uma de nós. Como nos ensinou Sueli Carneiro, nossa humanidade é inegociável.

[1] Disponível em: www.agenciabrasil.com.br Acessado: 20/10/2021

Marusa Silva

Marusa Silva

Doutora em Sociologia Política, pesquisadora e autora de livros e artigos sobre desigualdade de gênero e integrante do Atelier de estudos de gênero da Universidade Estadual do Norte Fluminense – RJ

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