Filhos da mãe - Generalizando
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Filhos da mãe

Filhos da mãe

Estima-se que no Brasil 5,5 milhões de crianças tenham apenas a referência da mãe no registro de nascimento. No país, mais de 11 milhões de famílias são chefiadas por mulheres com filhos até 14 anos, de acordo com o IBGE. O que esses números revelam sobre maternidade e paternidade? O que eles nos mostram sobre a nossa sociedade? Ou sobre o lugar da família na sociedade brasileira?

O fato é que essas estatísticas desnudam a estrutura machista presente na sociedade brasileira.  Uma dinâmica que impõe discursivamente e de forma prática uma maior responsabilização pelos cuidados com os filhos sobre a mulher e que, historicamente, desonera os homens diante do compromisso com os rebentos

Do ponto de vista social, a realidade de uma mãe solo – entendendo aquelas que tiveram os filhos abandonados pelos pais, não as que optaram, conscientemente, por uma produção independente – é de desigualdade e de sobrecarga. Por outro lado, o abandono paterno pode gerar nas crianças efeitos psicológicos duradouros. Como sinaliza a Doutora em Psicanálise Contemporânea Andrea Ladislau, pessoas que vivem essa realidade podem desenvolver baixa autoestima e sentimento de rejeição e insegurança.[1]

Por mais que hoje tenhamos mecanismos científicos e jurídicos para comprovar a paternidade de uma criança e exigir a responsabilidade do pai para com o sustento do menor, muitas lacunas não conseguem ser preenchidas.

Algumas vozes ecoam contra a dita “rigidez” da lei que obriga o pagamento de pensão alimentícia para os filhos sob pena de prisão em caso de descumprimento. Recentemente, mais um episódio dentre muitos que poderiam ser citados de famosos acusados de não efetuar o pagamento de pensão, ganhou repercussão midiática. O ator global André Gonçalves foi acusado por uma de suas filhas de não pagar pensão alimentícia tendo uma dívida acumulada em R$ 109 mil. Além dessa dívida, o ator foi acionado na justiça por deixar de pagar  R$ 13,5 mil  em pensão para uma segunda filha. Diante do cenário, onde a prisão domiciliar foi decretada, o ator se disse magoado com a falta de consideração das filhas e lamentou a rigidez da lei.

Ora, se nossos meninos fossem ensinados desde cedo sobre responsabilidade diante de seus atos, sobretudo no que se refere à paternidade, talvez não fosse necessário a existência de uma lei que obrigue um PAI a colaborar com a criação do seu filho.

Apesar de ser lugar comum o discurso “filho da mãe”,  é preciso refletir sobre essa cultura que sobrecarrega as mulheres financeiramente e psicologicamente quando naturaliza o abandono dos filhos pelos pais. Impactando na saúde física e emocional dessas mães, bem como nas oportunidades de formação e ascensão no  mercado de trabalho. Por outro lado, devemos estar atentos para o fato de que o pagamento da pensão alimentícia  não é a resolução de todas as questões, isso porque o abandono afetivo, muitas vezes permanece, mesmo diante do reconhecimento legal  da paternidade.

Desse modo, o que esses números revelam, para que não haja dúvidas – aviso aos negacionistas-, que perdura um entendimento desigual sobre maternidade e paternidade, onde a primeira é falaciosamente propagada como valorosa enquanto se naturaliza o abandono paterno na nossa sociedade, incidindo sobre as mães a responsabilidade total ou quase total pelos filhos.

Esses números revelam uma sociedade que exige a dedicação total das mães aos seus filhos, muitas vezes anulando a si mesmas e ainda romantiza essa situação sob o discurso de mães heroínas, quando o que essas mães querem é dividir a responsabilidade, é ter apoio e estrutura para cuidar de si e de seus filhos e de ter o direito de pedir ajuda.

Por fim, o que esses números revelam é o desacordo entre o discurso social e a prática. Um discurso moral de valorização da família e da maternidade, mas que não se importa com o sofrimento das mães solos e com os efeitos que serão sentidos por milhões de crianças que foram abandonadas por seus pais. Vamos pensar sobre isso.

 

[1] Entrevista concedida ao Diário do Grande ABC em 08/08/2021. Disponível em: http//: https://www.dgabc.com.br/Noticia/3739111/de-20-bebes-um-nao-tem-o-nome-do-pai-na-certidao. Acesso em: 15/12/2021.

Marusa Silva

Marusa Silva

Doutora em Sociologia Política, pesquisadora e autora de livros e artigos sobre desigualdade de gênero e integrante do Atelier de estudos de gênero da Universidade Estadual do Norte Fluminense – RJ

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