Mulheres e Futebol: a luta por igualdade - Generalizando
779
post-template-default,single,single-post,postid-779,single-format-standard,bridge-core-2.0.9,ajax_fade,page_not_loaded,,qode-title-hidden,qode_grid_1300,qode-theme-ver-19.6,qode-theme-bridge,disabled_footer_top,wpb-js-composer js-comp-ver-6.1,vc_responsive

Mulheres e Futebol: a luta por igualdade

Mulheres e Futebol: a luta por igualdade

No último dia 02, o presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), em entrevista coletiva, anunciou que atletas da seleção feminina de futebol receberão os mesmos valores e premiações pagos aos homens da seleção masculina. A notícia foi bem recebida pelo grande público e repercutiu no mundo todo. A defensora do Chelsea, Magdalena Eriksson escreveu em seu twitter: “O Brasil está se mexendo, grande respeito por elas”. Outra atleta, a atacante canadense Christine Sinclar do Portland Thorns também se manifestou, em uma de suas redes sociais escreveu: “Amo ver isso”.

De acordo com o presidente da Confederação, Rogério Cabloco, desde março deste ano, a CBF tem trabalhado no sentido de garantir a igualdade de diárias e premiações entre homens e mulheres, atendendo a uma demanda antiga das atletas e dos movimentos sociais que lutam por direitos iguais.

O futebol é o esporte mais popular do Brasil. Ele é uma marca cultural da nossa sociedade, somos reconhecidos pelos estrangeiros como o país do futebol, mas como uma gama significativa de práticas esportivas, foi durante muito tempo sinônimo de masculinidade. 

Apesar disso, a relação entre as mulheres e o futebol é antiga. Digamos que seja um caso antigo e durante muito tempo, mal resolvido. Marcado por preconceitos e por tratamento desigual, mas também por muita coragem daquelas que fizeram a opção de trilhar uma carreira nesse cenário. 

Os primeiros registros de partidas de futebol disputadas por mulheres foram no Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Norte entre os anos 20 e 30 do século XX. Alguns registros de jornais mostram essa prática ainda muito tímida. Nesse momento, as partidas femininas eram tratadas como performance, um show. É a linguagem circense que traz, no primeiro momento, para o grande público o termo “futebol feminino”.

Até a década de 40 as partidas femininas não estavam vinculadas a nenhum clube e aconteciam nas periferias. Apesar de não existir proibição, o esporte era considerado violento e por isso inadequado para as mulheres. Nos anos seguintes aconteceram algumas mudanças. Jogos foram realizados no Pacaembu e isso gerou revolta na sociedade, que não aceitava a participação feminina no esporte. A repercussão fez as autoridades da época proibir a prática pelas mulheres no ano de 1941. O texto se embasava em elementos essencialistas para justificar a proibição: “as mulheres não deveriam praticar esportes que não fosse adequados a sua natureza”. Apesar de não ser citado nominalmente, o futebol se enquadrava.

No período da ditadura militar, mais especificamente no ano de 1965 o decreto-lei é novamente publicado. Agora de forma mais detalhada, citava especificamente o futebol como uma prática ilegal para as mulheres. No entanto, havia notícias de partidas clandestinas desde 1941. 

Essa situação perdurou até o fim da década de 70, quando o decreto foi revogado e marcou uma nova jornada para as mulheres no mundo do futebol. Havia ausência de estímulos de clubes e de federações e,  em algumas partes do país,  sua prática ainda era proibida.

Um importante passo foi dado em 1983, quando a modalidade foi regulamentada. Isso permitiu que as atletas pudessem competir, utilizar estádios, elaborar calendários e ensinar a prática nas escolas. Fato que encorajou muitas meninas a se dedicarem ao esporte. Em 1988 a FIFA (Federação Internacional de Futebol), organizou um torneio experimental na China. Foi o pontapé inicial para o desenvolvimento da modalidade no mundo. Doze seleções participaram e o Brasil saiu de lá com o bronze.

Em 1991 aconteceu a Primeira Copa FIFA de Futebol Feminino. A seleção brasileira foi eliminada logo na primeira fase. Se esse acontecimento foi importante para a divulgação e valorização do esporte, ele também serviu como vitrine do descaso dado às seleções de mulheres. O tratamento amador, pouco recurso e menos de 1 ano de preparação para o mundial assinalam a desigualdade no futebol.

O trabalho continuou, mesmo com todas as dificuldades e obstáculos impostos às mulheres e suas equipes e em 1996 tivemos a estreia de equipes femininas em uma Olimpíada. Em 1999, veio a primeira medalha na Copa do Mundo dos EUA. Ainda tratado com amadorismo, a seleção brasileira conquistou o terceiro lugar no torneio, sinalizando para o potencial dessa modalidade no Brasil.

Os anos 2000 foram de importantes conquistas para o futebol feminino brasileiro. Em 2003 Marta, ainda menina,  disputa sua primeira copa e já demonstra técnica e habilidade, chamando atenção de jogadoras mais experientes. Apesar de ser eliminada nas quartas de finas, naquele mesmo ano a seleção foi medalhista de ouro no Pan de Santo Domingo.

O ano de 2004 apresentou ao mundo a geração que seria a mais vitoriosa do futebol feminino brasileiro. O Brasil foi prata nos jogos olímpicos da Grécia em 2004. Em 2006, Marta ganhou o troféu de melhor jogadora do mundo, uma conquista para o futebol feminino. Ela se tornou fonte de inspiração para tantas outras meninas, vindas das mais diversas realidades e que sonham com uma carreira no futebol. Marta ainda ganharia mais 5 vezes o troféu de melhor jogadora. 

Nos anos seguintes conquistas importantes aconteceram, 2007 (melhor copa com a medalha de prata e a medalha de ouro no Pan do Rio de Janeiro). Em 2008, mais uma prata agora nas Olimpíadas de Pequim. O ano de 2009, inaugurou a primeira edição da Libertadores feminina. O Santos que tinha em sua escalação Marta e Cristiane, ficou com o primeiro lugar.

Em 2015, a seleção conquistou o Pan do Canadá. Em 2019 uma nova realidade para o futebol se apresentou. Os clubes começaram a cumprir a obrigatoriedade de formarem times femininos e pela primeira vez a Copa do Mundo Feminina foi transmitida por um canal de televisão. Esse novo cenário contribui para a popularização dessa modalidade e para o debate sobre as condições das atletas no futebol. As demandas por igualdade foram cada vez mais exigidas e as entidades, clubes e federações começaram a se mexer, mesmo que lentamente para atender as reivindicações.

É possível notar com essa tentativa de construir um apanhado geral da história das mulheres no futebol, que o caminho foi e ainda é muito árduo, mas que a força, a determinação e a resistência feminina logrou e continuará logrando importantes vitórias.

Marusa Silva

Marusa Silva

Doutora em Sociologia Política, pesquisadora e autora de livros e artigos sobre desigualdade de gênero e integrante do Atelier de estudos de gênero da Universidade Estadual do Norte Fluminense – RJ

Ainda não há comentários, seja o primeiro

Publicar um comentário