O capitalismo parasitário e a situação da mulher: uma abordagem a partir das óticas, histórica, filmográfica e sociológica - Generalizando
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O capitalismo parasitário e a situação da mulher: uma abordagem a partir das óticas, histórica, filmográfica e sociológica

Entre 1950 e 1970, após o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1845), o capitalismo nos países desenvolvidos apresentou resultados inesperados. Nesse intervalo de tempo, “o PIB e PIB per capita [das regiões-núcleo do capital] cresceram quase duas vezes mais depressa do que em qualquer período anterior desde 1820” (GLYN et al., 1990, p. 41-42). Nas sociedades avançadas do capital industrial, a entrada formal das mulheres nos mercados de trabalho também foi uma consequência. De acordo com dados levantados por Eric Hobsbawn, em A Era dos Extremos, a porcentagem de mulheres casadas e que trabalhavam por salário quase duplicou entre 1950 e 1970 (1995, p. 304). Assim, ao passo que havia mais trabalhadores ativos, o consumo era garantido e estimulado gradativamente.

Essa expansão econômica intensa, por ser extremamente rara e concentrada nos países desenvolvidos, recebeu a condecoração de “Era de Ouro” pelos especialistas e políticos da época. O áurico dessa nomeação é consequência direta da até então recente reorientação fordista-keynesiana, que passou a guiar o modo de produção industrial após a Grande Depressão de 1929. Um pouco mais à frente, no entanto, o entusiasmo global propiciado por essa melhora voltaria a se apresentar como volátil, incerto e efêmero.

Como ressalta Eric Hobsbawn (1917-2012), em sua análise sobre o breve século XX, a principal característica dessa Era Dourada do Capitalismo foi, ao longo do tempo, “precisar cada vez mais de maciços investimentos e cada vez menos gente, a não ser como consumidores” (1995, p. 369). Assim, ao passar dessa época, a perpetuação da sobreposição do lucro sobre os trabalhadores intensificou gradualmente os processos de precarização. Isso aconteceu uma vez que foi consequência direta do desemprego, causado pela implantação de novas tecnologias, como robôs automatizados, que, usadas sem restrições, inevitavelmente precarizaram as relações trabalhistas, afetando principalmente as trabalhadoras que, em muitos países, apenas ocupavam cargos subalternos e recebiam menos que os homens realizando as mesmas tarefas.

Em meio a isso, diferentemente do que diversos analistas econômicos pensam, as Eras Douradas do Capital fogem à regra geral do sistema que é autorregulado pela superexploração, desemprego e destruição do meio ambiente. Nesse caso, como as crises são inevitáveis, a prosperidade geral é sinônimo do acaso. Dessa forma, o capitalismo, de uma forma ampla, é parasitário, apresentando uma relação desarmônica entre seus integrantes. Tal analogia foi realizada primeiramente pelo sociólogo Zygmunt Bauman (1925-2017), que em seu estudo sobre o atual sistema afirmou que “como todos os parasitas, pode prosperar durante certo período, desde que encontre um organismo ainda não explorado que lhe forneça alimento. Mas não podem fazer isso sem prejudicar o hospedeiro, destruindo assim, cedo ou tarde, as condições de sua prosperidade ou mesmo de sua sobrevivência” (2009, p. 8-9).

Mesmo com a certeza de que o capitalismo é um sistema exploratório, o começo de um novo século comumente traz à tona expectativas mundiais de avanços científicos e melhores condições econômicas. Com o início do século XXI não foi diferente.  O cinema, por vezes, reproduziu a crença nesses avanços, um exemplo foi o lançamento do filme estadunidense “De Volta para o Futuro II”, que buscou retratar as expectativas da população dos anos 1980 em relação a 2015. Nas sessões da produção, carros voadores, roupas automáticas, skates flutuantes e lojas robotizadas mexiam com o imaginário dos telespectadores. No entanto, além do aspecto material, o longa metragem também se preocupou em relatar outras expectativas do possível destino humano, como, por exemplo, a eficiência dos órgãos públicos e a busca da satisfação financeira.

Entretanto, fora da ficção, essa ideia de um futuro melhor no século XXI já se materializou no aspecto financeiro das classes dominantes. Em 2019, um relatório detalhado da Organização Não Governamental Oxfam[1] resolveu expressar a visível desigualdade econômica mundial em dados palpáveis, comparando períodos semelhantes dos anos 2018 e 2019. O estudo mostra que, somente nesse intervalo de tempo anual, a fortuna dos bilionários do mundo cresceu 12%, ou US$ 2,5 bilhões por dia, enquanto a metade mais pobre do planeta viu seus bens reduzirem em 11%. Além disso, se adentrarmos nas disparidades de gênero, a diferença é maior: apenas no contexto estadunidense, os homens brancos solteiros possuem 100 vezes mais riqueza do que as mulheres hispânicas solteiras, de acordo com os apontamentos divulgados pela Oxfam. Tais dados já confirmam a tese de que para ricos ficarem mais ricos necessariamente os pobres precisam ficar mais pobres, reforçando como funciona as opressões de classe e gênero. Os bens de ambos são inversamente proporcionais. E para isso acontecer, as classes dominantes utilizam de seus aparatos para sucatear as relações trabalhistas entre elas e o proletariado, como aconteceu na Era Dourada do Capitalismo entre 1950 e 1970.

Um exemplo claro dessa afirmação ocorre no filme britânico “Você Não Estava Aqui”, em que os protagonistas, os membros da Família Turner, são assolados diariamente pela precarização do trabalho. A ideia de autonomia profissional, divulgada veementemente pela franquia de entregas no qual o pai, Ricky Turner, trabalha, não passa de uma armadilha elitista para retirar direitos trabalhistas e intensificar o processo de superexploração da mão de obra. A problemática abordada pela produção cinematográfica é consequência da irrelevância contínua dada aos trabalhadores, como descrita lá trás por Hobsbawn, em sua análise dos Anos Dourados do capitalismo. Dessa forma, a saúde mental dos personagens se torna extremamente frágil, na medida em que os lucros se tornam mais sólidos. Com isso, uma nova Era de Ouro se forma, ainda mais rara e concentra, um pouco diferente daquela que ocorreu entre 1950 e 1970.

            O cenário descrito vai ao encontro do que afirma Fraser (et al., 2019, p. 41), vivemos uma crise da sociedade capitalista como um todo, não apenas restrita ao setor financeiro, é ao mesmo tempo, uma crise da economia, da ecologia, da política e do “cuidado”. E nesse ínterim, mulheres pobres, da classe trabalhadora, negras, migrantes, mulheres queer, trans e tantas outras são as mais profundamente impactadas.


[1] Disponível em: www.oxfam.org.br

Lucas Barroso Rego

Lucas Barroso Rego

Lucas Barroso Rego é bacharelando em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e licenciando em História pela Universidade Candido Mendes (UCAM). Possui experiência com ênfase no ensino e pesquisa de História do Brasil e de contemporaneidades. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/8481113958603388. Contato: [email protected]

2 Comentários
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    Lucas Barroso
    Publicado em 10:01h, 10 fevereiro Responder

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

    GLYN, Andrew; HUGHES, Alan; LIPIETZ, Alain; SINGH, Ajit. The rise and fall of the golden age. In: MARGLIN, Stephen; SHOR, Juliet (Ed.). The golden age of capitalism: reinterpreting the postwar experience. Oxford: Clarendon Press, 1990. Disponível em: Acesso em: 27 mar. 2020.

    HOBSBAWN, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

    BAUMAN, Zygmunt. Capitalismo parasitário. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.

    DE Volta para o Futuro II. Direção: Robert ZEMECKIS. Produção: Bob GALE & Neil CANTON. Estados Unidos: Amblin Entertainment, 1989. 1 DVD (108 min.).

    BEM Público Ou Riqueza Privada? OXFAM Brasil, 2019. Disponível em: . Acesso em: 26 mar. 2020.

    VOCÊ Não Estava Aqui. Direção: Ken LOACH. Produção: Rebecca O’BRIEN. Reino Unido: Sixteen Films & BBC Films, 2019.

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    Julia Araujo
    Publicado em 10:03h, 10 fevereiro Responder

    Adorei! Texto muito importante para tempos obscuros em que vivemos ??????

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