O Magazine Luiza e a cor do mercado de trabalho - Generalizando
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O Magazine Luiza e a cor do mercado de trabalho

O Magazine Luiza e a cor do mercado de trabalho

Os avanços legislativos e as conquistas de direitos pelas mulheres ainda não foram capazes de estabelecer um cenário de igualdade entre os gêneros. Foram muitas lutas engendradas para conseguir alcançar o direito de estudar, de trabalhar, de votar. Em todo o mundo em tempos e intensidades distintas, as mulheres buscaram reivindicar um lugar de igualdade na sociedade. Mas, a realidade nos apresenta um longo percurso para a concretização dessa igualdade.

A situação torna-se ainda mais complexa quando além do gênero, a raça se transforma em um marcador de diferença social. Quando se trata de desigualdade de gênero é preciso considerar que existe uma multiplicidade de mulheres, com vivências e experiências bem peculiares quando se observa o recorte de raça e de classe. Em outra palavras, significa dizer que, para pensar essa desigualdade, é preciso considerar elementos além do gênero, a classe social e a cor do indivíduo caso se pretenda fazer um debate honesto.

Isso vale também para o mercado de trabalho. A inserção de homens e mulheres na esfera do trabalho remunerado não acontece em condições de igualdade e nesse cenário a diferença das oportunidades entre homens brancos e mulheres negras, mulheres brancas e mulheres negras é ainda maior.

No último dia 18 uma gigante do varejo no Brasil anunciou que o programa de trainees de 2021 aceitará apenas candidatos negros. A notícia gerou muita repercussão, intelectuais, artistas, integrantes do movimento negro e políticos manifestaram opiniões sobre a decisão da empresa que se baseou em um levantamento do perfil de profissionais em cargos gerenciais da organização. Os números mostraram que apesar de quadro de colaboradores contar com mais de 50% de negros, nos cargos gerenciais o percentual é de apenas 16%.[1]

Alguns dias antes um levantamento do Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa)[2] mostrou que, dependendo da profissão um homem branco chega a ganhar mais que o dobro que uma mulher negra para executar a mesma função. O estudo apurou o salário por raça e gênero no país e fez um recorte de algumas profissões, a saber: engenheiros, arquitetos, médicos, professores, administradores e cientistas sociais. Em todas elas, as mulheres negras recebem menos que os homens brancos e negros e também do que as mulheres brancas.

O trabalho utilizou dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre os anos de 2016 a 2018. E foi conduzido pelos pesquisadores Beatriz Ribeiro e Bruno Komatsu. Os resultados revelam que o maior fosso está na medicina. Entre os formados em universidades públicas as mulheres negras têm um salário médio de R$ 6.370,30 enquanto os homens brancos recebem R$ 15.055,84. No grupo de profissionais formados em faculdades particulares a remuneração é de R$ 3.723, 49 para elas e de R$ 8.638,68 para eles.

Considerando todas as profissões analisadas a pesquisa apresenta uma diferença salarial de até 159% da remuneração paga a homens brancos e mulheres negras na mesma função. Em todos os índices, seja na educação ou na administração as mulheres negras ganham menos. Esse dado revela um mercado de trabalho discriminatório. A desigualdade já incide sobre o gênero e a intersecção com a raça tornar essa realidade ainda mais cruel.

Abordar perspectivas econômicas e sua relação com gênero, raça e classe é falar de desigualdade. Para responder questões como as que estão postas nos números divulgados pela pesquisa citada aqui, é preciso recorrer a Sociologia, ao Direito e a Ética. A desigualdade pode ser demonstrada por números, por dados estatísticos, mas para compreendê-la é necessário entender o funcionamento da sociedade e os conflitos que estão postos.

Como explicar a desigualdade salarial entre homens e mulheres no mercado de trabalho? Como explicar a desigualdade imoral entre os salários pagos a homens brancos e mulheres negras nos mesmos postos de trabalho? A explicação mais vulgar sobre essa desigualdade irá se pautar na meritocracia. Para essa “teoria” índices de produtividade e de desempenho justificariam o salário desigual. O problema é quando esses índices não dão conta de explicar a desigualdade. Não dão conta de explicar porque grupos inteiros como o de mulheres e de mulheres negras estão em condição de desigualdade no mercado de trabalho. Por que o contingente formado por esse perfil é o que está inserido em ocupações precárias e é a maior parte dos desempregados? Quando os índices de produtividade e desempenho não conseguem explicar a realidade, fica exposta a ferida mais profunda da nossa sociedade, o sexismo e o racismo estrutural.

As bases de fundam o nosso tecido social, suas instituições e crenças, a lógica do mercado de trabalho são sexistas e racistas. Portanto, não consideram a situação de desvantagem histórica desses indivíduos e ao negar isso não produzem ações efetivas para modificar a situação.

A negação pode ser exemplificada pela repercussão que obteve a  ação da empresa de varejo citada no início desse texto. Enquanto estudiosos e pessoas sensíveis a causa observam essa decisão como um importante passo para a igualdade no mercado de trabalho, outros criticam a medida classificando-a como racista. Isso mostra como o racismo estrutural é difícil de combater. Em uma sociedade onde os negros ocupam os lugares menos valorizados as ações que contribuem para reverter essa lógica são desonestamente questionadas, acusadas de “racismo reverso”. Como bem lembrou a filósofa Djamilla Ribeiro, em um texto para o jornal a folha de São Paulo “falar em racismo reverso é como acreditar em unicórnio”.[3]

Não existe racismo reverso porque racismo é um sistema de opressão e para haver racismo é preciso existir relações de poder. Os negros não têm poder institucional para serem racista. A população negra tem um histórico de opressão e de violência que os excluem dos espaços de poder, além de ter marcado e ainda marcar profundamente sua experiência social.

De acordo com Thiago Sampaio que é professor de políticas de diversidade da FGV, iniciativas como da empresa citada no texto,  têm sido utilizadas no mundo todo. Bancos internacionais e multinacionais  têm feito processos seletivos específicos para candidatos negros. De acordo com o professor o mais estarrecedor é observar que as pessoas não se incomodam com o número infinitamente menor de indivíduos negros em cargos de liderança e sim com uma iniciativa que caminha para a igualdade.

Apesar dos números apontarem para a permanência da desigualdade e do preconceito é possível identificar ações de enfrentamento dessa realidade e que contribuem para o questionamento e para a desconstrução de estruturas racistas da nossa sociedade. A luta ainda é necessária, mas alguns passos dados na direção da igualdade precisam ser comemorados.

 

[1] Dados disponíveis em: www.g1.com.br. Acessado em 22/09/2020.

[2] Estudo divulgado no dia 15/09/2020. Disponível em: www.g1.com.br. Acessado em: 22/09/2020.

[3] Texto publicado no jornal A Folha de São Paulo em:

 

Marusa Silva

Marusa Silva

Doutora em Sociologia Política, pesquisadora e autora de livros e artigos sobre desigualdade de gênero e integrante do Atelier de estudos de gênero da Universidade Estadual do Norte Fluminense – RJ

2 Comentários
  • Avatar
    Leandro
    Publicado em 17:43h, 22 setembro Responder

    Grande professora Marusa
    São pessoas como vc que nos motiva sempre…

    • Marusa Silva
      Marusa Silva
      Publicado em 16:33h, 02 outubro Responder

      Leandro, vamos todos juntos!!!

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