O quartinho da empregada é o calabouço do palácio
O quartinho da empregada é o calabouço do palácio
Deveria ser motivo de espanto a persistência da utilização, por parte de famílias de classe média, do famigerado quartinho de empregada. Não se trata aqui dos variados usos que esse cômodo, geralmente apertado e mal iluminado, poderia ter como por exemplo, servir de depósito de materiais variados. O uso a que me refiro é a sua ocupação pela empregada doméstica que ainda dorme no trabalho.
Na pesquisa realizada por mim, nos anos de 2018 e 2019, com babás que atuavam no bairro do Leblon, área valorizada da zona sul do Rio de Janeiro, foi possível verificar que ainda é muito comum a contratação de empregadas/babás que passam a semana toda no trabalho, tendo direito de voltar para sua residência no fim de semana.Essas mulheres que cuidam dos filhos dos outros dormem, geralmente, em espaços apertados e anexados a àrea de serviço dos apartamentos e casas de seus empregadores.
Essas relações trabalhistas ainda são permeadas da percepção do servilismo, característico da sociedade escravagista brasileira, onde a presença de uma mulher, geralmente negra, para cuidar dos afazeres domésticos e do trabalho de cuidado, é lugar comum nas residências das famílias mais abastadas.
Os hábitos e costumes da sociedade brasileira têm sido levados para outras realidades. Portugal, que foi nosso colonizador, trouxe à época dessa empreitada, os costumes da corte e está agora sendo influenciado pelos costumes brasileiros. Com a presença cada vez mais significativa de brasileiros no país, os empreendedores portugueses, não têm nem discutido as questões culturais e/ou éticas e estão incorporando nas novas construções o famoso quartinho de empregada. Uma forma de agradar aos novos clientes que levaram consigo a necessidade de contratar uma empregada que durma no trabalho.
Em Portugal o trabalho doméstico é regulamentado, mas de forma diferente do que acontece em terras brasileiras. Com menos horas trabalhadas e salários melhores até pouco tempo, as construções não previam nas plantas o quartinho de empregada ou, como também é chamado por lá, os cômodos de serviço. Essa demanda retornou após a presença mais constante de brasileiros, uma vez que não é comum naquele país esse tipo de arranjos trabalhistas onde a presença da empregada doméstica é exigida em tempo integral.
Nossa origem, colonial e racista, guarda resquícios nas mais diferentes formas, inclusive na nossa arquitetura. Uma dinâmica social que não é nova, que se mantém quase inalterada no contexto contemporâneo, onde privilégios de classe e o racismo desempenham papel fundamental.
O quartinho da empregada é um símbolo de como essas relações trabalhistas, mesmo tendo experimentado um avanço legislativo, ainda permanecem envoltos a uma lógica escravagista. Simboliza a dependência que as famílias brasileiras possuem em relação à empregada doméstica que deve estar integralmente dedicada aos cuidados com a família empregadora. E, mesmo assim, essas mulheres experimentam condições degradantes sendo “depositadas” em cômodos que não permitem o mínimo de conforto e privacidade.
O trabalho doméstico é a síntese das desigualdades que continuamos vivendo no Brasil.
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