Por que tantas mortes nos Estados Unidos por Covid-19? O Coringa ajuda a explicar - Generalizando
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Por que tantas mortes nos Estados Unidos por Covid-19? O Coringa ajuda a explicar

Por que tantas mortes nos Estados Unidos por Covid-19? O Coringa ajuda a explicar

O premiado filme Coringa, do diretor Tood Phillips, apesar de não ter um momento histórico definido, faz uma clara alusão aos Estados Unidos no final de 1970 e início dos anos de 1980, período da chegada do neoliberalismo na América do Norte, com suas políticas de austeridade (termo usado para “justificar” o desmonte de políticas sociais).

O protagonista do filme, portador de uma doença psicológica, é o retrato do “desencaixe” e da “desintegração social”. Dependente da assistência social em um contexto onde a empatia se torna cada mais rara e onde esse tipo de serviço deixa de ser prestado pelo Estado, abrindo caminho para o desespero, solidão e revolta.

O Estado de Bem-Estar Social teve início na Inglaterra, após a Segunda Guerra Mundial. Nesse modelo, o Estado assume a responsabilidade de ofertar políticas públicas que garantam a dignidade às pessoas. No entanto, a partir dos anos de 1960, os tributos e gastos do Estado aumentaram acentuadamente.

Na direção oposta, surgiu o neoliberalismo que teve sua ascensão na década de 1970 na Inglaterra e nos Estados Unidos, onde o Estado de Bem-Estar Social sofreu várias restrições nas políticas sociais pois, a partir da lógica neoliberal, os Estados passaram a ofertar cada vez menos serviços e assistência aos cidadãos. De lá para cá os indivíduos norte-americanos, por exemplo, precisaram arcar com serviços como os de atendimento à saúde e os mais pobres foram jogados a própria sorte, uma vez que o sistema de saúde não é acessível a todos.

A pandemia da COVID-19, nos Estados Unidos da América, traz para vitrine a situação de vulnerabilidade da população e levanta questionamentos sobre a lógica neoliberal. Em Nova Iorque, leitos emergenciais foram instalados no Central Park, em ginásios esportivos e em dormitórios estudantis nas universidades. Os necrotérios abarrotados com os corpos das vítimas da pandemia, não dão conta e dezenas de caminhões frigoríficos estacionam ao lado dos hospitais. As pessoas evitam ir aos hospitais, só procurando atendimento em casos gravíssimos, isso porque podem sair com uma dívida que não conseguirão pagar.

Essa situação, traz incertezas e inseguranças, além de promover o debate sobre a relação do Estado soberano com a política de deixar viver ou deixar morrer, a “necropolítica” no sentido de Mbembe.[1] Questões como estas são centrais no momento em que o mundo se depara com uma pandemia que é desconhecida, para qual ainda não se tem vacina e os sistemas de saúde com suas limitações, peculiaridades e desigualdades não conseguem atender a todos.

Mais de 17 milhões de pessoas ficaram desempregadas somente no mês de março nos Estados Unidos[2]. Esses indivíduos não perderam somente seus empregos, perderam também o seguro-saúde em meio a uma pandemia global, o que os colocam em situação de fragilidade. Com o sistema de saúde colapsado e o aumento dos casos, o que se vê são pessoas morrendo, também, por não conseguirem atendimento médico. A crítica presente no Coringa coloca em xeque o sacrifício dos mais pobres em nome do grande capital, que no final leva ao caminho da desproteção e precarização.

[1] Achille Mbembe filósofo, historiador e teórico político camaronês que desenvolveu o conceito de necropolitica em um ensaio em 2003, onde questionava os limites da soberania quando o Estado escolhe quem vai viver e quem vai morrer

[2] Disponível em: www.notícias.uol.com.br.

Marusa Silva

Marusa Silva

Doutora em Sociologia Política, pesquisadora e autora de livros e artigos sobre desigualdade de gênero e integrante do Atelier de estudos de gênero da Universidade Estadual do Norte Fluminense – RJ

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