Quem tem medo de mulher na política? - Generalizando
792
post-template-default,single,single-post,postid-792,single-format-standard,bridge-core-2.0.9,ajax_fade,page_not_loaded,,qode-title-hidden,qode_grid_1300,qode-theme-ver-19.6,qode-theme-bridge,disabled_footer_top,wpb-js-composer js-comp-ver-6.1,vc_responsive

Quem tem medo de mulher na política?

Quem tem medo de mulher na política?

A política é um campo constituído por homens. O espaço público, do debate e das decisões historicamente foi ocupado por eles. Não por todos os homens, apenas os brancos e heterossexuais. Mas, essa realidade vem se transformando. Com o passar do tempo mulheres, mulheres negras, trans, homens negros e outras minorias passaram a reivindicar e a buscar mais representatividade.

Até o último dia 27/09 os 526 mil pedidos de registro de candidatura computados, já representavam um recorde no número total de candidatos do sexo feminino e, pela primeira vez, uma maioria autodeclarada negra (pretos e pardos). O crescimento no número de mulheres e negros nas eleições municipais de 2020 é reflexo de um cenário de luta e engajamento de movimentos sociais e pessoas sensíveis a causa.

O estabelecimento das cotas de gênero a partir dos anos de 1990 e as mais recentes cotas de distribuição da verba de campanha e da propaganda eleitoral são exemplos de conquistas importantes para as mulheres e, mais recentemente para negros, no campo da disputa política.

Até a noite de domingo (27/09), o percentual de candidatas mulheres era de 34%, 177 mil concorrentes. Nos últimos três processos eleitorais o percentual era de 32%. As novas regras obrigam os partidos a reservar ao menos 30% das vagas de candidatos e de verba pública de campanha para elas.[1] Apesar disso, partidos encontram lacunas para se desviar do objetivo da lei, que é incentivar o aumento da representatividade feminina na política. As candidaturas “laranjas” são exemplos disso. Os partidos inscrevem mulheres com o intuito de simular o cumprimento da exigência, mas acabam desviando os recursos para os homens.

Mesmo com um aumento no número de candidaturas femininas o cenário está muito próximo ao limite estabelecido por lei. De acordo com um levantamento feito pelo G1, o número de candidatos a vereador nas capitais do país deve ser o maior em, pelo menos, 20 anos. Um total de 24.133 candidatos foram aprovados pelos partidos para a disputa eleitoral. Desse total, 7.884 são mulheres. Número significativamente maior que o total de candidatas em 2016 que foi de 5.986, no entanto a proporção em relação ao total se manteve próximo dos 30%.[2]

Uma análise quantitativa revela que o percentual de candidaturas femininas ainda é baixo mas, qualitativamente segundo a advogada Polianna Santos, as mudanças e determinações legais sobre as candidaturas das mulheres trazem mudanças significativas para a corrida eleitoral. Ela destaca que há determinações de como a verba destinada para as mulheres deve ser utilizada, o que possibilita fazer campanhas mais robustas. Outro ponto importante é a decisão liminar do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, que determinou a divisão proporcional de recursos e de propaganda eleitoral entre os candidatos negros e brancos que já deve valer para as eleições de 2020.[3] Essa decisão dará condições melhores para as candidatas negras que historicamente, têm menos sucesso nas eleições.

Apesar dos inegáveis e importantes avanços, persiste ainda a violência de gênero na política. Como esse espaço é socialmente construído para ser incompatível com a presença feminina, elas são vítimas de cantadas, são objetos de chacota e são julgadas por sua aparência. Suas falas são interrompidas. Ah, o poder da palavra! Esse poder foi durante muito tempo negado às mulheres e mesmo depois de conquistá-lo elas precisam lutar para exercer o direito da palavra. Quem não se lembra do fatídico Roda Viva com a então pré-candidata à presidência Manuela D`ávila? Ela foi interrompida 66 vezes durante o programa exibido em 25/06/2018 pela TV cultura. A título de comparação, o presidenciável Ciro Gomes (PDT) foi interrompido apenas oito vezes pelos entrevistadores quando passou pela sabatina. A presença feminina, nesse campo, incomoda profundamente muitos que acreditam que elas deveriam estar em casa, cuidando de seus filhos e maridos.

Muitas mulheres que estão a frente de mandatos no legislativo e no executivo revelam a dificuldade estabelecida, institucionalmente e socialmente, para a sua permanência nesse espaço de dominação masculina. A título de curiosidade, só depois de 55 anos de inauguração o plenário do Senado passou a ter um banheiro feminino. Até 2015, as senadoras precisavam deixar o plenário para usar o banheiro do restaurante ao lado. É a lógica estrutural afirmando que aquele lugar não é para elas.

Como bem sabemos, o preconceito de gênero é parte da cultura da nossa sociedade e por mais que avanços legislativos sejam importantes e necessários, sozinhos eles não mudam a cultura. Para subverter essa lógica machista é preciso ocupar espaços de poder e decisão. É preciso ter mais mulheres na política, lutando por agendas da igualdade de gênero.

A representatividade é um importante elemento para a democracia. Se faz necessário que mais mulheres sejam eleitas e se deseja que elas sejam a voz das múltiplas mulheres, as periféricas, as negras, as trans, as mães, entre outras. Essa não é uma tarefa fácil. Defender pautas das mulheres e das minorias de uma forma geral desagrada muita gente poderosa, que não deseja a representatividade e nem a diversidade na política. O assassinato político de Marielle Franco é um exemplo disso. Recentemente a deputada Talíria Petrone (PSOL/RJ) enviou carta às relatoras dos Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas) denunciando e cobrando do governo brasileiro explicações e ações sobre as constantes ameaças de morte que vem sofrendo, como também do caso Marielle. As novas ameaças à parlamentar foram identificadas em junho pelo “Disque Denúncia” da Polícia do Rio de Janeiro. O órgão informou a Câmara dos Deputados que havia mais de cinco gravações de pessoas falando sobre a morte de Talíria.

O Brasil é um país perigoso para as mulheres. A rua é perigosa, o lar é perigoso e o espaço político também. Nossa sociedade violenta e mata mulheres por serem mulheres, por isso mesmo se torna urgente ocupar espaços de poder para lutar e cobrar por segurança, por igualdade de gênero e por uma sociedade mais justa. Aqueles que têm medo de mulheres na política, receiam em perder a hegemonia do poder.

[1] Fonte: TSE

[2] Fonte: www.g1.com.br. Acessado em 01/10/2020.

[3] Entrevista dada ao portal de notícias: www.g1.com.br em 24/09/2020. Acessado em 01/10/2020.

Marusa Silva

Marusa Silva

Doutora em Sociologia Política, pesquisadora e autora de livros e artigos sobre desigualdade de gênero e integrante do Atelier de estudos de gênero da Universidade Estadual do Norte Fluminense – RJ

2 Comentários
  • Avatar
    Neide Tavares de Sousa
    Publicado em 12:07h, 02 outubro Responder

    Que matéria interessante, gostei muito,
    Trata-se d a representatividade da mulher na política ao longo do tempo.
    Foram abordados muitos aspectos relevantes sobre o tema.
    O senado deve ser ocupado pelas mulheres, também. sem dúvida.
    Grata pelo texto e ideias.

    • Marusa Silva
      Marusa Silva
      Publicado em 16:32h, 02 outubro Responder

      Que bom que gostou, Neide!
      Precisamos ter mais mulheres ocupando os espaços de poder.

Publicar um comentário