Uma nova república surgiu e ela é feminina e negra
No último dia do mês de novembro, dedicado à consciência negra no Brasil, uma interessante e potente notícia veio de fora, mais especificamente de um país insular nas pequenas Antilhas das Índias Ocidentais, Barbados.
A colônia britânica do Caribe conquistou sua independência em 30 de novembro de 1966, mas permaneceu membro da Commonwealth (Comunidade das Nações). À época o regime escolhido foi a monarquia parlamentar e constitucional e Elizabeth II continuou como chefe de Estado da chamada jóia da coroa britânica. Após 55 anos da independência, no mesmo dia 30 de novembro, em 2021, surgiu a mais jovem república do mundo.
O evento que marcou a mudança contou com a presença do príncipe Charles, herdeiro da coroa britânica e os discursos tiveram a tônica da pacificação e harmonia, buscando a todo custo evitar o confronto direto com a rainha de 95 anos.
Entretanto, para muitos ativistas e lideranças locais, os barbadianos não devem se esquecer de toda a violência histórica perpetrada contra eles pela coroa britânica, bem como dos inúmeros benefícios, vantagens e riquezas que o contexto de dominação garantiu à família real.
Na carona do movimento global Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), novos impulsos foram dados às demandas de compensação econômica que muitas associações e políticos encaminharam ao Reino Unido.
Barbados foi o lugar que recebeu milhares de africanos, estima-se que cerca de 600.000 pessoas das 12 milhões retiradas à força da sua terra e de suas famílias, chegaram ao território. Esses indivíduos trabalhavam nas plantações de fumo e de cana-de-açúcar, produtos de alto valor no mercado europeu nesse contexto, gerando lucros significativos para a coroa britânica. Lucros esses, que só eram possíveis, com a manutenção da dinâmica violenta da escravidão.
Agora, a jovem república tem Sandra Mason, advogada, juíza e até agora governadora-geral de Barbados, como a primeira presidenta. Dois terços dos parlamentares da câmara alta e baixa do país a elegeram em outubro de 2020. De acordo com Mason, os barbadianos querem seus compatriotas como chefes de Estado.
Além da compensação econômica, os barbadianos exigem desculpas e ajuda concreta, considerando que a reparação é necessária e fundamental para a construção de uma sociedade. Apesar do príncipe herdeiro ter reconhecido publicamente, em Gana em 2018, que o papel do seu país na escravidão foi uma atrocidade, não admitiu as vantagens e benefícios que a família real obteve com o sistema escravista. Muitos ativistas, dentre eles muitas mulheres, buscam essa reparação como importante passo para a construção de uma “outra história”.
Algumas das importantes empresas britânicas, que se beneficiaram com a exploração do país, já sinalizaram formas de compensação. É o caso da seguradora Lloyd’s e da cervejaria Greene King, cujos fundadores eram proprietários de extensas plantações no Caribe.
A assistência financeira deverá ser direcionada para projetos que promovem a diversidade e a inclusão. Em meio as fissuras sócio-políticas e as incertezas dos tempos atuais, muitas mulheres barbadianas, militantes, advogadas, políticas, professoras sinalizam para a necessidade de criar um novo futuro. Os saberes e fazeres dessas mulheres abrigam valores civilizatórios seculares marcados pela multiplicidade histórica e social, também por noções de fortalecimento mútuo e da consciência sobre as engrenagens coloniais do passado e do presente.
Por tudo isso a luta, que é histórica, deve continuar. É preciso lutar para dignificar e recuperar tudo o que foi perdido. Quando se tem consciência de como uma cultura é infinitamente sábia e diversa, o poder retorna e se encarna em cada homem e em cada mulher.
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