A rivalidade feminina é um mito?
Escolho começar esse texto relatando uma experiência particular, de um encontro em algum momento da minha vida, com duas amigas. Aconteceu na tarde de um domingo, de um inverno pouco rígido, com o objetivo de matar a saudade e conversar sobre amenidades. Lá pelas tantas já havíamos bebido alguns copos de cerveja e taças de vinho, a música alta e alegre era um convite para tirar as sandália e dançar na grama do quintal até faltar o ar. Abraços, risos e lágrimas estavam presentes nesse “ritual” que durou até o anoitecer.
No dia seguinte a esse encontro, comecei a pensar em como aquela experiência tinha significado e como é preciso desmistificar a ideia de rivalidade feminina. Talvez, nesse ponto você leitor (a) esteja pensando que o título não está em harmonia com o texto, que mais parece um relato pessoal, bobo e fútil. Eu te peço, dê mais uma chance para ele.
Vamos esquecer tudo que nos disseram sobre como as mulheres são falsas, invejosas, mentirosas e incapazes de viver uma amizade verdadeira. Vamos esquecer como nos ensinaram que não devemos confiar umas nas outras. O tempo todo somos estimuladas a pensar e quiçá agir dessa maneira. Apreendemos socialmente que a disputa se dá no campo feminino e que essa mesquinhez é parte da essência feminina. Não! Não é! As mulheres assim como os homens experimentam inúmeras sensações e sentimentos. Uma mulher pode invejar outra mulher como um homem pode invejar um amigo mais bonito e mais bem sucedido. Isso não é um sentimento feminino!
Toda essa mentira contada as meninas e mulheres todos os dias, por meio de “ditados populares” como “prefiro ter um chefe homem do que uma chefe mulher”, pelas tramas amorosas televisas onde a heroína precisa disputar o amor do mocinho com outra mulher, a vilã, a invejosa… todas essas coisas ditas tira de nós, em certa medida, a possibilidade de vivenciar uma verdadeira amizade e experimentar a sororidade. Aliás, uma das mais importantes contribuições do movimento feminista é a sua insistência na sororidade, que é em termos comuns, o olhar carinhoso para a outra mulher, seja ela sua amiga ou uma completa estranha.
O encontro relatado no início do texto foi um momento de trocas que só podia ser compartilhado entre mulheres, porque só nós conhecemos as dificuldades, as inseguranças, os desafios e obstáculos que se impõem à experiência feminina. É a sensação de que podemos falar sobre tudo que nos machuca e que não seremos julgadas e sim compreendidas. Essa sinergia só pode se dar entre duas mulheres.
No entanto, toda essa ideia de rivalidade entre nós mulheres, impede de maneira muito significativa a possibilidade dessa sinergia. Por acreditarmos nas mentiras contadas não conseguimos ter sororidade, nem com as amigas e muito menos com as desconhecidas. Então por que acreditamos na ideia de rivalidade? Porque, como nos diz a autora nigeriana Chimamanda Ngozi “se repetimos uma coisa várias vezes, ela se torna normal. Se vemos uma coisa com frequência, ela se torna normal.”[1] Assim, infelizmente a existência de uma eterna rivalidade entre as mulheres se tornou normal para nós.
Quando superarmos essa “crença” e desconstruirmos esses “dogmas” perceberemos que juntas somos mais fortes e que juntas somos capazes de mudar o rumo da história. Então, respondendo à pergunta do título, a rivalidade feminina é um MITO! Uma história mentirosa que inventaram, baseada em uma cultura machista que pretende minar a autoconfiança das mulheres e a sua capacidade de se reconhecer em tantas outras mulheres. A sororidade é peça-chave na luta contra o machismo porque empodera mulheres, esse é o problema. Existe receio de que mulheres se unam e defendam seus direitos.
Mas, já sabemos que o caminho é a união de todas nós. Somos mulheres e não rivais! Além disso, somos as responsáveis e as maiores interessadas na desconstrução desse mito.
[1] ADICHE, C. N. Sejam todos Feministas. São Paulo: Companhia das Letras, 2014, p. 16.
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