Sobre direito da mulher: a reforma legal do aborto na Argentina
Na madrugada do dia 30 de dezembro de 2020, o Senado argentino aprovou a Lei de Interrupção Voluntária da Gravidez que legaliza o aborto até a décima quarta semana de gestação. Essa decisão mostra o reconhecimento do Estado argentino de que a maternidade é um direito e não uma obrigação. Garantindo que as mulheres tenham liberdade de decisão reprodutiva, a referida lei contribui para interromper os perigosos e trágicos abortos ilegais e sem segurança para as mulheres. De acordo com dados divulgados pelo portal de notícias Brasil de Fato, em média de 400 a 600 abortos clandestinos são realizados por ano no país. Mais de 3 mil mortes por meio de complicações desses procedimentos inseguros aconteceram desde o retorno à democracia na Argentina.
A aprovação da Lei é resultado de um longo percurso de lutas e reivindicações dos movimentos feministas, uma vitória para as mulheres e para a democracia. Uma importante sinalização de que as vozes femininas precisam ser ouvidas pela política tradicional.
Esse caminho de luta remonta-se ao processo de democratização nos anos de 1980. Em 2005, foi criada a Campanha Nacional pelo Direito ao Aborto Legal, Seguro e Gratuito, de alcance nacional. Desde 2009, foram apresentados sete projetos de legalização do aborto ao Congresso, com o slogan “educação sexual para decidir, contraceptivos para não abortar, aborto legal para não morrer”.
Assim como acontece no Brasil, a sociedade Argentina se mostrou e ainda se mostra dividida em relação ao tema e durante o período que antecedeu a votação da Lei na Câmara e no Senado, as ruas foram povoadas de pessoas que eram a favor e de pessoas que se colocavam contra o aborto legal. Até a data histórica de 30 de dezembro, no país só era permitida a interrupção da gravidez em caso de estupro e quando a saúde da mãe estava em risco (semelhança com a lei brasileira).
Em referência às mães da Praça de Maio[1], as ativistas pró aborto e contrárias ao aborto utilizaram lenços. As primeiras ficaram conhecidas como lenços verdes e as segundas usavam lenços azuis (celeste). O debate levou multidões às ruas, mobilizando toda a sociedade. A proposta de Lei teve apoio do presidente Alberto Fernandéz e se configurou em uma de suas promessas de campanha.
A possibilidade do aborto legal reduz o risco representado pelas interrupções clandestinas, uma realidade que atinge em particular as mulheres pobres, uma vez que existem clínicas clandestinas, bem equipadas para aquelas que podem pagar pelo aborto. Além disso, a existência do aborto legal permite que as mulheres tomem decisão de maneira consciente e com acesso a informação.
A aprovação da Lei é uma importante conquista, mas não está tudo resolvido. É preciso garantir a regulamentação e implementação de maneira democrática, para que TODAS as mulheres, que assim desejam, tenham acesso a interrupção da gravidez de forma gratuita e segura.
Por outro lado, a aprovação do aborto legal sinaliza a abertura para todas as as propostas complexas dentro da sociedade e, sem dúvidas, para a tomada de decisões.
Para além das fronteiras, é preciso olhar com atenção para exemplos como o da Argentina e compartilhar as experiências e lições aprendidas para que elas inspirem novas lutas e novas vitórias em outros contextos, como, por exemplo, no Brasil.
[1] No dia 30 de abril de 1977, em plena ditadura militar na Argentina, 14 mulheres se reuniram na Praça de Maio, em frente à sede do governo em Buenos Aires, para protestar por seus filhos desaparecidos.
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