Educadas sim, instruídas não: o histórico da educação feminina no Brasil - Generalizando
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Educadas sim, instruídas não: o histórico da educação feminina no Brasil

Educadas sim, instruídas não: o histórico da educação feminina no Brasil

Não é novidade que o histórico da luta das mulheres no Brasil por educação é marcado por valores do patriarcalismo legitimados pela religião e pelo próprio Estado. Uma educação voltada para a preparação para a vida doméstica como esposa e mãe. Esse é o cenário que marcou a educação feminina no nosso país.

O espaço privado como sendo o lócus da mulher enquanto o espaço público figurava como sinônimo de masculinidade, às mulheres só era permitido frequentá-lo em ocasiões pontuais, como missas e acompanhadas por um homem da família.

Na obra intitulada “500 anos de educação no Brasil”, uma coletânea composta por 24 artigos encontramos um texto de Arilda Ines Miranda denominado “Mulheres Educadas na Colônia”, nele a autora afirma que no contexto colonial as mulheres carregavam o estigma da fragilidade e da imbecilidade. O sexo feminino fazia parte do chamado imbecilitus sexus a qual também pertenciam os doentes mentais e as crianças.

Durante 327 anos – de 1500 a 1827, a educação no Brasil era permitida apenas para homens. Apesar disso, de acordo com Ribeiro(2000), algumas mulheres indígenas conseguiram burlar a regra, como o caso da indígena Catarina Paraguassu, também conhecida como Madalena Caramuru, que teria sido a primeira brasileira a ler e escrever. Diz-se que no dia 26 de março de 1561 ela escreveu uma carta de próprio punho ao Pe. Manuel da Nóbrega.

O fato é que até a nossa independência, a única forma de uma mulher escapar do analfabetismo era indo para um convento, sobretudo os europeus. Uma “escolha” que não raramente, fugia à autonomia das mulheres. Muitas eram enviadas pelos próprios pais depois de engravidarem antes do casamento.

Somente em meados do século XIX que as mulheres passam a frequentar, ainda em número muito pequeno, os colégios destinados a elas. Aqui vemos um recorte de classe, uma vez que somente as mulheres ricas tinham acesso a esse tipo de instituição.

Em 1827 o ensino público e gratuito foi sancionado no país e assim as mulheres adquiriram o direito à educação. No entanto, observa-se nesse contexto a exclusão dos negros e da maioria da população formada por pessoas pobres, que não podiam abrir mão do trabalho para frequentar a escola.

Apesar da educação se tornar pública não era universal, pois às mulheres eram apresentados conteúdos curriculares diferentes daqueles que orientavam o ensino masculino. A lógica patriarcal prescrevia que elas deveriam ser mais educadas do que instruídas. Isso significava uma ênfase na educação moral.

Em tempos atuais conseguimos observar importantes mudanças nesse modelo educacional, mas, por outro lado, elementos da cultura patriarcal somados à precarização da educação pública que ainda permanecem impactam na qualidade da educação ofertada para a maior parcela da população brasileira.

Conhecer a história permite-nos usar o conhecimento para o combate efetivo às implicações da exclusão das mulheres de uma educação libertadora. Embora tenhamos avançado no que diz respeito a conquistas como o voto, o divórcio e a proteção (no caso de violência doméstica), antigas demandas continuam em aberto. Na contemporaneidade as mulheres podem estudar e trabalhar, mas até que ponto vai essa conquista já que além de ser estudante e manter uma carreira profissional, ela continua sendo a responsabilizada pelos cuidados com o marido, filhos e casa? Sendo instigada a não abandonar o famigerado padrão de beleza?

Parte das conquistas parecem ser “conquistas dissimuladas”, que não só mantém o modelo patriarcal como lhe dá novas maneiras de oprimir. Parece clichê, mas para avançarmos nas pautas feministas como aborto; culpabilização da vítima; do combate a padronização da beleza; da solidão da mulher negra; da ascensão de mulheres na política, nos meios de comunicação e na liderança de empresas; da equiparação salarial entre homens e mulheres precisamos focar no processo educativo.

Enquanto não tivermos uma educação libertadora, verdadeiramente emancipatória e não sexista continuaremos lidando com a hierarquização entre homens e mulheres e com as desigualdades e a violência perpetradas pelo Estado.

Marusa Silva

Marusa Silva

Doutora em Sociologia Política, pesquisadora e autora de livros e artigos sobre desigualdade de gênero e integrante do Atelier de estudos de gênero da Universidade Estadual do Norte Fluminense – RJ

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